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Terça, 14 Agosto 2018 16:29

JUNTOS E MISTURADOS: DA FRAGMENTAÇÃO AO AMONTOADO

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O site do Ineac reproduz aqui o artigo publicado no site UOL, escrito pelas pesquisadoras e antropólogas vinculadas ao INCT-InEAC, Jacqueline Muniz e Luciane Patrício.

Pelo site UOL acesse a notícia no link: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/06/tal-como-foi-aprovado-o-sus-da-seguranca-publica-vai-trazer-avancos-no-combate-a-criminalidade-nao.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa

Tal como foi aprovado, o SUS da segurança pública vai trazer avanços no combate à criminalidade? NÃO

 

 

JUNTOS E MISTURADOS: DA FRAGMENTAÇÃO AO AMONTOADO

Jacqueline Muniz  Luciane Patrício

O SUSP vira lei. Da formulação até a aprovação passaram quase duas décadas de chá de cadeira dado por quem proclama a segurança pública como prioridade de Estado e de Governo. 15 anos para atravessar poucas quadras e uma avenida. Em 2003, cria-se o SUSP no ministério da justiça de Lula. Em 2012, vira projeto de lei da presidência de Dilma. Em 2018, ressuscita rápido da gaveta do congresso para dar sustança ao recém, e apressado, ministério extraordinário da segurança pública de Temer.

Na esplanada, estrada afora, chapeuzinhos vermelhos e lobos maus mexeram na cesta do SUSP, tornando seu marco legal distante da concepção original. Qual? Ser um Sistema, de verdade, e Uúnico, de fato. Ter um arranjo adequado ao desenho político-administrativo brasileiro, garantindo atribuições federativas equilibradas e o seu financiamento. Cabia ao SUSP redefinir e regulamentar o art. 144 da CF que reproduz, desde a carta de 46, uma lógica fragmentária e de quase monopólios policiais. Seu papel, segundo os idealizadores, era transformar órgãos avulsos e concorrentes em partes interdependentes de um todo cooperativo e governável. Para garantir capacidade de governo, construir o pacto federativo da segurança pública, definindo competências exclusivas, partilhadas e redundantes dos entes federados. Para permitir capacidade de gestão, por de pé a arquitetura institucional do SUSP. Esta construção técnico-política foi esquecida.

Nós que participamos da criação do SUSP, recomendamos correções e inclusões encampadas por parlamentares progressistas. A relatoria acatou as que não afetavam o coração da lei, que retrocedeu a segurança pública à questão policial e rebaixou o SUSP a um Clube de Serviços, onde sempre cabe mais um quando se usa lobbies corporativistas.

Junto e misturado é legal na balada, mas é temeroso quando se improvisa com o poder de polícia. Espadas, emancipadas, cortam para todo lado. Foi-se da

fragmentação crônica ao amontoado invertebrado. Oficializou-se como esporte nacional os conflitos de competência, a bateção de cabeça e as carteiradas entre agentes da lei.

O SUSP da lei converte-se em uma agência de fomento de operações policiais. Inaugura-se o caixa extra para o mundo reativo e provisório das ações conjuntas e forças-tarefa. Desvaloriza-se a rotina dos policiamentos para todos em favor da excepcionalidade do espetáculo operacional que serve a alguns. A política fica refém de saldos policiais. Adota-se o extraordinário como modo de governar.

O SUSP da lei traz um horizonte perigoso de nacionalização que mobiliza indivíduos armados ao invés de integrar suas instituições. Diante de greves ou outros motivos, arrisca-se dar vida a um exército do B, que desestabiliza o jogo democrático e desafia a capacidade de agir das forças armadas.

O palavreado democrático está lá: direitos humanos, cidadania, participação. Papel bonito com recheio duvidoso. A ideia-força é a defesa social, um fóssil de 70 anos. Sepultou-se a segurança cidadã em favor de uma criminologia ultrapassada do nós contra eles, ineficaz no controle da criminalidade violenta e que perverte o trabalho da polícia e da justiça.

É bom que atores políticos ao centro, à esquerda e à direita, percebam que a espada entregue a si mesma, cedo ou tarde, corta a língua da política e rasga a letra da lei. Governar requer que a espada não defina, ela mesma, a extensão e profundidade de seu corte.

 

1 Artigo publicado na Folha de São Paulo em 08/06/2018

2 JACQUELINE MUNIZ, antropóloga, é professora do Departamento de Segurança Pública da UFF (Universidade Federal Fluminense). LUCIANE PATRÍCIO, antropóloga, é professora do Departamento de Segurança Pública da UFF.

 

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