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Quinta, 08 Novembro 2018 16:25

Discurso Kant - PRÊMIO DE EXCELÊNCIA ACADÊMICA DA UFF

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O nosso site publica aqui o discurso do Coordenador do INCT InEAC, antropólogo Roberto Kant de Lima, durante o prêmio de excelência acadêmica da UFF, outorgado pela Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação da UFF, em cerimônia que aconteceu no auditório do NAB, no Campus da Praia Vermelha da UFF,  nessa terça-feira,  6 de novembro, de 2018. O discurso pode ser assistido no nosso canal do Youtube, na minutagem 1h 38min 50s,  acessando o link https://www.youtube.com/watch?v=Zd_2i1iIHD4 

 

DISCURSO PREMIAÇÃO DE EXCELÊNCIA ACADÊMICA DA UFF

Roberto Kant de Lima

 

Inicialmente, quero agradecer aos colegas que indicaram o meu nome e à banca que me escolheu para esta altamente prestigiosa premiação da UFF, criada, diga-se de passagem, na gestão do Professor Antônio Cláudio, na PROPPI.

Queria ser breve (15 minutos no máximo), então através de agradecimentos sucessivos, vou enfatizar a circunstância de que qualquer um que ganhe uma premiação, ou uma homenagem, não lhe faz jus por si só. A meu ver, não há heróis, nem super-homens nessa linha de trabalho.

Estes agradecimentos, para facilitar, serão efetuados em ordem cronológica e não poderiam abranger a todos, mas àqueles a quem infelizmente não cito, peço que se sintam também contemplados no contexto das citações.

Em 1970, insatisfeito com minhas atividades profissionais à época, após ter-me formado em Direito e já trabalhando no mercado de capitais, por intermédio de minha então namorada Magali Alonso, fui apresentado ao livreiro Aníbal Bragança, da Livraria Diálogo e ali iniciei meus contatos profissionais com Niterói. Em conversas com os clientes da livraria, que ficava próxima ao antigo ICHF (hoje IACS), interessei-me pelas Ciências Sociais.

Ingressei como aluno no ICHF em 1971 e, guiado pelo Professor Wagner Neves Rocha, fui fascinado pela ética includente e pelo relativismo das perspectivas teóricas  do método comparativo e decidi  tornar-me antropólogo. Ainda sem finalizar o curso, ingressei em 1974 no então único curso de mestrado do RJ no Museu Nacional/UFRJ, onde escolhi como orientador o Professor Roberto Da Matta. No entanto, a forte personalidade e as excelentes aulas do Professor Castro Faria, que já haviam me encantado na graduação, foram sempre fundamentais para minha formação.

Neste mesmo ano, 1974, fui aprovado na seleção para Auxiliar de Ensino do Departamento de Ciências Sociais – ao mesmo tempo que concluía minha dissertação de mestrado sobre os pescadores da Praia de Itaipu, em Niterói, com a indispensável e prestimosa colaboração de meu amigo e até hoje colega Marco Antônio da Silva Mello  .

Esse período foi bastante difícil, pois o Depto sofreu uma intervenção de uma representante do SNI – diga-se de passagem, equivocadamente eleita -  e minguou de 33 professores para 11 docentes efetivos, contratando-se colaboradores provisórios para dar aulas. Comparativamente aos tempos de hoje a Universidade era bastante deficitária em termos de recursos físicos (desde banheiros e salas de aula) e quase nula em termos de recursos para ensino e pesquisa, mas nem por isso nos desanimávamos, criando sempre oportunidades de pesquisa e extensão para financiar nossos projetos.

Em seguida, em 1979 fui para os Estados Unidos, onde, recomendado por Roberto Da Matta, fui acolhido, como vários outros brasileiros, pelo Professor David Maybury-Lewis no Departamento de Antropologia de Harvard),  com uma bolsa do Programa Institucional de Capacitação Docente (PICD da CAPES), concebido para as instituições de ensino “periféricas”, nas quais, à época, a UFF se incluía (e a UFRJ, por exemplo, não).  Mas isso só foi possível por intervenção da Professore Aydil de Carvalho Preiss, Vice-Reitora e do Professor Hildiberto Cavalcanti de Albuquerque Jr., Diretor do ICHF, que se responsabilizaram pela minha saída do país perante os órgãos de segurança, depois de uma recusa da CAPES em me conceder a bolsa.

Em Harvard, conheci e me tornei amigo dos colegas George Bisharat e James Ferguson e do Professor Charles Lindholm. Todos eles me conduziram, com compreensão e tolerância, acadêmica e sentimentalmente, frutos de sólida amizade que até hoje perdura, pelos árduos caminhos da disciplina pessoal e profissional do universo acadêmico dos EUA.

Tendo realizado tese sobre as práticas da Polícia Civil na cidade do RJ, voltei ao Brasil em 1986, dedicando-me com afinco ao ensino e à pesquisa para devolver acadêmica e profissionalmente aquilo que a UFF me havia proporcionado. Ainda em 1990 voltei aos EUA para fazer trabalho de campo com a polícia de Birmingham, Alabama e de San Francisco, California, com bolsa da Comissão Fulbright, conseguida graças a convite de acadêmicos dos EUA que visitaram a UFF e com a interveniência do então Reitor, Professor Raymundo Romeo.

A seguir, coordenei a fundação, desde 1991, com meus colegas do Departamento de Antropologia e do Departamento de Ciência Política, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política no ICHF, iniciado em 1994, hoje coordenado por meu colega Fabio reis Mota.

Na mesma época, liderados pelo Professor Castro Faria, criamos o Núcleo Fluminese de Estudos e Pesquisa – NUFEP, no ICHF, que se tornou, rapidamente, o centro das atividades de pesquisa de um grande número de professores, e alunos de graduação e pós-graduação, liderados pelos então pesquisadores do CNPq Marco Antonio da Silva Mello, Simoni Guedes, Ari Abreu Silva, Arno Vogel e Delma Pessanha Neves, além de mim mesmo.

Em 2000, a pedido da Escola Superior de Polícia Militar do RJ coordenei, também em conjunto com meus colegas de Departamento, a criação do Curso de Especialização em Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública, que contou com apoio da Fundação Ford, através da Dra. Elizabeth Leeds e do Professor Jorge da Silva e reuniu professores do depto de Antropologia, de Ciência Política e de Comunicação da UFF e outros docentes de outras Universidades do RJ.

Esses recursos e a experiência adquirida em projetos interdisciplinares em rede, desde 1998, quando coordenei um projeto interdisciplinar do PADCT/CIAMB/MCT com a biologia marinha da UFF, em parceria com os colegas Mello, Ronaldo Lobão e  Agnaldo Nepomuceno (Cacá), passando por vários editais de pesquisa e cooperação internacional, entre os quais o CAPES/Cofecub, acabou nos conduzindo à formação de uma rede nacional e internacional de pesquisadores, que se forma institucionalmente a partir de 2000 com Isaac Joseph, na França, Sofia Tiscornia, na Argentina e Daniel dos Santos, no Canadá, todos interessados na comparação dos processos de administração de conflitos praticados pelas instituições ligadas à justiça criminal e à segurança pública e também àquelas ligadas aos conflitos ambientais comuns às populações tradicionais de pescadores de “beira de praia” e de  quilombolas.

A rede se expandiu e em 2009 nosso projeto para a criação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (InEAC), cuja elaboração foi coordenada por nossa colega Lucia Eilbaum, foi aprovado na Chamada Pública do MCT para criação dos INCTs, tendo sido também aprovada sua renovação e financiamento em 2014, hoje abrigando cerca de 100 doutores e 200 pesquisadores em formação em seis estados do Brasil e cinco países do exterior, agrupados em 30 projetos de pesquisa. Montamos então uma equipe administrativa, com Virginia Taveira e Lucio Duarte, que sustentam administrativamente a correção administrativa e financeira do InEAC, além de um acervo bibliográfico especializado, administrado pela bibliotecária Sonia Castro e um Laboratório de Estudos de Mídias supervisionado por Claudio Salles, todos coordenados por um sólido Comitê Gestor, composto por Luis Roberto Cardoso de Oliveira (vice-coordenador/UnB); Maria Stella Amorim (UVA), Rodrigo Azevedo (PUC-RS), Ana Paula Miranda, Simoni Guedes, e Lucia Eilbaum (UFF) que, juntamente comigo orienta os caminhos do nosso Instituto.

Esses recursos de pesquisa, associados à expansão do REUNI, propiciaram a ampliação de nossos horizontes de pesquisa e ensino na UFF, pois nossos ex-alunos de pós-graduação foram aprovados em concursos para professores da UFF em diversos cursos e departamentos, situados em vários campi (Niterói, Campos dos Goytacazes, Angra dos Reis e Pádua). Como resultado dessa massa crítica produzida pelo InEAC, depois de alguns revezes acadêmicos e políticos, com o apoio de colegas do Departamento de Direito Público, em especial  de Ronaldo Lobão, pudemos criar um curso de bacharelado em Segurança Pública, que tratasse esse assunto do ponto de vista da sociedade e não do Estado; este curso, em uma versão condensada, por solicitação da Secretaria de Segurança do RJ, tornou-se também um curso de tecnólogo a distância do pool de instituições públicas para ensino a distância do RJ, (Fundação CECIERJ/CEDERJ), curso que hoje conta com aproximadamente 1.500 alunos situados em 12 pólos do RJ, eficientemente coordenado em seus primeiros anos por meu colega Pedro Heitor Barros Geraldo, apoiado por nossos colegas Monica Grele e Marcos Veríssimo e contando com o apoio incondicional do Presidente da Fundação CECIERJ, Carlos Bielchowski.

 

Finalmente, depois de algumas outras dificuldades político-acadêmicas, acabamos criando, também com o apoio da administração superior da UFF, o InEAC como uma unidade de ensino da UFF - o IAC - hoje dirigido por meu colega Lenin Pires, tendo acabado de aprovar mestrado acadêmico na CAPES em “Justiça e Segurança”, a iniciar-se no primeiro semestre de 2019. A rede internacional de instituições e pesquisadores continua sediada no Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Administração de Conflitos, vinculado à PROPPI, que coordeno, apesar de aposentado compulsoriamente por idade desde 2014.

Concluo aqui essa longa exposição, que tomei a liberdade de usar como uma oportunidade de agradecimento e prestação de contas pública à Universidade que me criou como antropólogo e me sustentou acadêmica e profissionalmente durante todos esses 44 anos de magistério superior. Antes de encerrar, entretanto, queria agradecer aos membros ainda vivos de minha família, especialmente as minhas companheiras, que me apoiaram incondicionalmente durante essa longa jornada: a já mencionada Magali, que me trouxe a Niterói, Glaucia, Nikki, Sheyla, Solange e Silvia; e também a minha irmã, Andrea e a meus filhos, Rafael e Felipe e a minha neta Luisa, porque sei que minhas ausências do convívio familiar serão sempre sentidas por eles. No entanto, quando olho para trás vejo que meu tempo pelo menos não foi desperdiçado e que o trabalho institucional rendeu frutos palpáveis.

Nesse embalo, também agradeço a meus professores, que me fizeram seus colegas, a meus colegas que me fizeram seus amigos e a meus alunos que me fizeram professor.

Nesse longo período atravessei, com minha família, meus colegas e alunos - muitos dos quais se transformaram ao longo do tempo em colegas - momentos bastante difíceis, com dificuldades de várias ordens: financeiras, com nossos salários muitas vezes extremamente aviltados; profissionais, com o sistemático desprestígio e/ou desconhecimento de nosso papel social como cientistas sociais e professores universitários; políticas, com a dificuldade de uma sociedade conservadora se habituar à diversidade e à tolerância com a diferença, essenciais para um civilidade que todos buscamos; e acadêmicas, vinculadas à escassez de recursos financeiros e simbólicos para o desenvolvimento de nossos projetos e para o estímulo à criatividade de nossos pesquisadores. Mas sempre enfrentamos essas dificuldades com a esperança de dias melhores que, aliás, pareciam ter finalmente chegado. Eis, no entanto, que maus ventos se anunciam à proa e o nosso barômetro aponta tempestades perfeitas, especialmente para as Universidades públicas.

Já no fim da carreira, queria deixar uma palavra de ânimo em meio a esse horizonte: não desistam, continuem trabalhando, porque em um país como o nosso a imprevisibilidade é a regra que nos exclui das premissas de funcionamento desse mercado tomado enganosamente como tendo um padrão universal. Aqui, a universidade pública, gratuita e de qualidade, com todas as suas ineficiências, deficiências e mazelas, mas também com todas as suas superações, vitórias e realizações é um esteio de segurança e previsibilidade possíveis, que se presta às esperanças de construção democrática do patrimônio ético, social, político e acadêmico do povo brasileiro, que cabe a nós proteger e desenvolver.

 

Bola pra Frente e

 

Muito Obrigado a Todos.

Na foto do dia da premiação estão, além do professor Roberto Kant de Lima, também o vice-reitor da UFF Antonio Claudio da Nóbrega, o pró-reitor da PROPPI Vitor Ferreira, e vários pesquisadores vinculados ao INCT-InEAC.  

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