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Claúdio Salles

Claúdio Salles

Disponibilizamos aqui a matéria "UFF e a intolerância às religiões de matriz africana" , publicado no jornal A TRIBUNA - RJ e que traz a participação da antropóloga Ana Paula Mendes de Miranda (UFF), pesquisadora vinculada ao INCT/INEAC.

Confira a matéria pelo link: https://www.atribunarj.com.br/uff-e-a-intolerancia-as-religioes-de-matriz-africana-nenhum-estado-e-neutro/

 Ou leia abaixo.

 

UFF e a intolerância às religiões de matriz africana. “Nenhum Estado é neutro”

Especialista se aprofundou no estudo em 2008 por causa de questões como a expulsão de terreiros do Morro do Dendê, Ilha do Governador, por ordem de traficantes evangélicos da região

Foto: O Candomblé é uma religião brasileira. Não existe na África.

Vestir-se de branco no ano novo, pular sete ondas, deixar flores no mar: esses costumes típicos do Brasil foram incorporados a partir da cultura das religiões de matriz africana, trazidas pelo povo negro escravizado no Brasil.

Apesar disso, frequentemente a associação entre esses comportamentos e as crenças afro-brasileiras são perdidas ou apagadas. Para além disso, os ataques às crenças de matriz africana em conflitos de natureza étnico-religiosa que envolvem outros credos não são uma constante.

Legislações como o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), no entanto, buscam proteger as religiões afro-brasileiras, reivindicando, por exemplo, o direito à liberdade de crença e o livre exercício desses cultos religiosos.

Na Universidade Federal Fluminense (UFF), as ciências sociais contam com a extensa pesquisa sobre a intersecção entre raça e crença da professora Ana Paula Miranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA).

A docente trabalha com a temática da intolerância religiosa desde 2008, quando conheceu um grupo ativista da causa no Rio de Janeiro. “Com o grupo, percebi, já naquela época, questões como a expulsão de terreiros do Morro do Dendê, Ilha do Governador, por ordem de traficantes evangélicos da região. Desde então, estudo esse assunto nos estados do Rio de Janeiro, Alagoas e Sergipe. Importante falar que a abordagem da Antropologia com a qual trabalho explora a dimensão contrastiva, uma perspectiva importante para pensar a realidade de modo relativizado”, conta.

Intolerância x racismo religioso: atravessamentos de raça e crença

Ana Paula aponta que o termo racismo religioso surge no movimento negro brasileiro, muito influenciado por discussões raciais internacionais, em especial norte-americanas.

“Esse termo se opõe à ideia de intolerância religiosa em dois sentidos: o primeiro destaca que a intolerância religiosa pode ser aplicada a qualquer grupo religioso vítima de discriminação. Já os casos de racismo religioso atingem especificamente os terreiros de matriz africana, como os de candomblé e umbanda, por conta de suas tradições e práticas. Do ponto de vista político, a intolerância religiosa tem um segundo problema, quando se fala em reivindicação de direitos, pois tolerar um grupo é simplesmente suportá-lo e isso não dá garantia alguma de respeito. Em síntese, a ideia de diferenciar racismo religioso de intolerância religiosa passa pela necessidade de demarcar ações racistas que atingem os adeptos e praticantes das tradições de matriz africana”, explica.

Por outro lado, segundo a pesquisadora, nenhum Estado é neutro em termos religiosos. “Toda a discussão sobre o estado laico é marcada pelo equívoco teórico em achar que existe um modelo único de laicidade. Existem várias maneiras de o Estado delimitar as fronteiras entre religião e política.

No caso brasileiro, historicamente, a forma como essas relações se dão estão associadas à presença da religião no espaço público do país, marcado fortemente por características religiosas. Porém, o que observamos é que essas características seguem muito influenciadas, quase de forma hegemônica, pela tradição católica. Temos muitas praças e ruas com nomes de santos católicos, por exemplo. A entrada dos evangélicos não muda o ordenamento desse contexto, já que as igrejas protestantes também passaram a ocupar os centros dos espaços públicos”.

No caso da presença das religiões de matriz africana, a maneira como ocupam o espaço público é diferenciada.

“O espaço visado é o da natureza, que é, em si, sagrada para essas tradições. A praia, o lago, o mangue e a floresta já são símbolos da cultura das religiões afro-brasileiras. Isso se aplica também à cidade, onde, por exemplo, a encruzilhada é associada ao Orixá Exú”, ressalta a docente.

Combate ao racismo religioso: Estado mediador de conflitos?

Para Ana Paula, à medida que a relação da sociedade com as religiões se explicita de forma específica no Brasil, a intervenção do Estado deveria operar na garantia de direitos e liberdade para todas as crenças.

“O debate do racismo religioso reafirma a necessidade de engajamento na pauta do reconhecimento de direitos, afinal, a Constituição da República Federativa do Brasil deixa determinado que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Na prática, sabe-se que não é isso que acontece, já que é evidente o privilégio das tradições cristãs e os impedimentos e restrições aos cultos não cristãos”, pontua.

Do ponto de vista histórico, a perseguição às tradições africanas não é fenômeno recente, já que ocorre desde o começo do período da escravidão forçada da população negra.

“Por isso, o candomblé, por exemplo, é uma religião brasileira. Não existe candomblé na África, já que lá as regiões têm distintas dinastias, que formam os reinos dos orixás, e são origem de diversas etnias africanas. Os africanos trazidos para o Brasil tiveram de se reestruturar e conviver entre si, na prática de suas crenças, o que acabou gerando um culto à ancestralidade unificado, reunindo o que em África eram cultos étnicos específicos de cada ancestral”, explica Ana Paula.

Segundo a pesquisadora, desde 1881 as constituições brasileiras falam da possibilidade de liberdade de expressão de múltiplas crenças, mas esse segue não sendo um direito garantido às religiões de matriz africana.

“Por exemplo, se uma pessoa está internada em um hospital, é um direito constitucional que ela tenha apoio religioso. Padres e pastores conseguem entrar com facilidade nos hospitais, mas em nossas pesquisas temos inúmeros relatos de pais e mães de santo que não conseguem dar suporte espiritual aos consulentes e filhos dos terreiros”.

De acordo com a estudiosa, o grande conflito da perseguição às religiões de matriz africana acontece em relação a grupos cristãos que não concordam com as práticas dessas tradições.

“Isso não significa que esses grupos podem visar o extermínio dessas práticas; entretanto, parece ser esse o objetivo. Em nossas pesquisas, observamos alguns grupos evangélicos que não só ficam incomodados com a existência da crença que eles desaprovam, mas agem para que elas sejam destruídas. O Supremo Tribunal Federal se posicionou sobre o tema defendendo que a liberdade de expressão religiosa tem um limite no caso da ofensa ao outro. Ou seja, o pastor tem direito de pregar desde que não propague a destruição de outros grupos de fé”, explica Ana Paula.

Um obstáculo nesse debate está na interpretação que os operadores de justiça e segurança possuem em relação ao crime de racismo. Segundo a docente, há uma tendência a individualizar os casos, já que na leitura de muitos juristas esses crimes sempre são lidos como isolados.

“Isso impede o reconhecimento da dimensão política dos crimes de discriminação, que, nesse contexto, são reconhecidos internacionalmente como crimes de ódio. A natureza política do crime de ódio, nesse caso, explicita que, quando há violação do direito à liberdade religiosa de alguém, também há quebra do direito político de expressão do credo do indivíduo. Considerando isso, o racismo religioso é um crime essencialmente político; portanto, é obrigação do Estado impedir e coibir ataques a essas manifestações religiosas”, enfatiza Ana Paula.

Caminhos de Xangô: documentário reflete sobre a laicidade do Estado frente à perseguição aos terreiros

Com doze minutos de duração, o documentário curta-metragem “Os caminhos de Xangô – a resistência das religiões afro-brasileiras” é resultado do projeto de pesquisa “Diversidades e intolerâncias: análise de processos de mobilizações e de políticas públicas em conflitos de natureza religiosa, étnico-racial e de gênero”, coordenado pela professora Ana Paula Miranda. Esse trabalho é fruto de um projeto do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) cujo objetivo era debater conflitos de natureza étnico-religiosa.

O curta tenta responder o que permaneceu e o que mudou no processo de perseguição às tradições afro-brasileiras, já que esse movimento de intolerância acontece há tanto tempo.

“O que permanece é a estratégia da demonização. Desde sempre, há uma tentativa de buscar a referência de ‘demônio’ das tradições judaico-cristãs e aplicá-la onde esse conceito não existe nem nunca existiu. A diferença hoje tem a ver com as estratégias de ataques aos terreiros. Se antes tínhamos os grupos católicos e o Estado perseguindo terreiros, hoje ainda há o Estado como agente dessa perseguição, só que de maneira velada e não oficial. Na realidade atual, os ataques de extremistas evangélicos também foram incluídos nessas estratégias de perseguição”, conta a pesquisadora.

Os caminhos de Xangô no título do curta têm a ver com a ideia de que esse é um orixá associado a uma justiça que não seja cega.

“O questionamento do documentário gira em torno do mito da justiça que privilegia um grupo e ataca outro. O filme também traz uma síntese do que foi um dos maiores massacres a terreiros da história do Brasil, conhecido como quebra de Xangô, que ocorreu em Alagoas. O objetivo da narrativa do documentário é que o povo de terreiro repense sua história, mas também visamos o uso pedagógico do material, a fim de provocar questionamentos sobre que laicidade é essa que ocorre no Brasil, que garante a existência de diferentes grupos religiosos, desde que sejam cristãos”, conclui Ana Paula.

 

Quarta, 21 Setembro 2022 15:45

DESVENDANDO A ESFINGE: E SE O CRIME EXISTIR?

O site do INCT INEAC reproduz aqui o artigo do Professor titular da Escola de Direito da PUCRS, Rodrigo Ghiringheli de Azevedo e da Coordenadora do PPG em Segurança Cidadã da UFRGS, Fernanda Bestteti de Vasconcelos, ambos pesquisadores vinculados ao INEAC . O artigo foi publicado originalmente no site FONTE SEGURA - https://fontesegura.forumseguranca.org.br/desvendando-a-esfinge-e-se-o-crime-existir/ .

 

DESVENDANDO A ESFINGE: E SE O CRIME EXISTIR?

APERFEIÇOAR AS FERRAMENTAS PARA A ALOCAÇÃO ADEQUADA DO POLICIAMENTO OSTENSIVO, INVESTIR EM INTELIGÊNCIA POLICIAL, GARANTIR UM PROCESSO PENAL EM QUE DIREITOS E GARANTIAS SEJAM RESPEITADOS E QUE A EXECUÇÃO DA PENA OCORRA DENTRO DA LEI SÃO DESAFIOS CUJA CONCRETIZAÇÃO É PRESSUPOSTO DA LEGITIMIDADE SOCIAL DAS POLÍCIAS E DA JUSTIÇA PENAL

 

RODRIGO GHIRINGHELLI DE AZEVEDO

Professor titular da Escola de Direito da PUCRS, membro do INCT-InEAC

FERNANDA BESTETTI DE VASCONCELLOS

Coordenadora do PPG em Segurança Cidadã da UFRGS, membro do INCT-InEAC

E se o crime existir?” é o título de uma obra (pequena no tamanho, gigante no conteúdo) do grande sociólogo do direito pernambucano Luciano Oliveira. Nela, o autor coloca em questão os pressupostos epistemológicos das teorias da rotulação, da criminologia crítica e do abolicionismo penal, para sustentar que tanto as abordagens microssociológicas do interacionismo simbólico quanto as macrossociológicas do materialismo histórico falham ao minimizar a importância do delito como fenômeno social.

Ao caracterizar o crime como uma construção social, levada adiante por “empresários morais”, ou estabelecer conexões ad hoc entre o sistema capitalista, a criminalidade e o controle do crime, tais teorias, produzidas especialmente a partir da década de 60 do século XX, cumpriram um importante papel de denúncia do funcionamento autoritário dos mecanismos de controle punitivo, desde a criminalização primária (produção legislativa) até a criminalização secundária (atuação dos powerful reactors – instituições de controle). Expuseram seu padrão de atuação seletivo e muitas vezes violento e abusivo, sua apropriação por interesses políticos (muito comum em regimes autoritários), e todos os limites da resposta punitiva, pouco eficaz para a redução da criminalidade e contraproducente para a reinserção social de condenados.

Desde esse giro epistemológico, o debate criminológico nunca mais foi o mesmo, já que deslocou  para o centro das atenções o funcionamento das instituições de controle, assim como contribuiu para a sua deslegitimação, levada às últimas consequências pelos chamados movimentos abolicionistas, tanto da pena, quanto das próprias polícias. A obra de Michel Foucault veio acrescentar elementos para a desconstrução do poder punitivo, inclusive de suas bases fundadas na ciência moderna.

Hoje, com o devido distanciamento histórico, não é mais possível deixar de lado as insuficiências deste(s) paradigma(s). Se há excessos do legislador na criminalização de condutas que não deveriam merecer a tutela penal, sendo a mais significativa a questão do consumo de drogas, assim como certos delitos ligados a padrões ou escolhas morais ou modos de ser de determinados grupos sociais, é forçoso reconhecer que há uma imensa gama de condutas que precisam sim da interdição estatal por meio da sanção penal (com todas as suas mazelas e efeitos colaterais). Para não nos alongarmos, basta referir os delitos contra a vida, a violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças e idosos, o racismo e a homofobia, os crimes sexuais de toda ordem, os crimes em ambientes virtuais, a subtração de recursos públicos, os danos deliberados ao meio ambiente e os atentados contra a saúde e a paz pública, as facções criminais, os agrupamentos milicianos e os delitos de colarinho branco.

Diante disso, é importante, sem dúvidas, incorporar o legado da crítica criminológica à gestão dos mecanismos de controle punitivo, ampliando os mecanismos de controle e participação popular (conselhos da comunidade, conselhos de segurança pública, ouvidorias), criando mecanismos mais eficazes de controle externo sobre a atividade policial e judicial, garantindo o amplo direito de defesa e a presunção de inocência até o trânsito em julgado das condenações criminais, dando transparência à atuação das polícias e da justiça, tanto pela produção, análise e divulgação de estatísticas criminais quanto pelo amplo acesso da imprensa e da comunidade científica a todos os âmbitos de atuação do controle punitivo, e implementando alternativas penais e investindo em mecanismos de mediação e conciliação.

Da mesma forma, é necessário reconhecer os limites do sistema penal para a redução da criminalidade. Políticas de prevenção ao crime multisetoriais, com investimento em educação para a juventude, em emprego e renda dignos, em melhorias do ambiente urbano, em formas de produção identitária que afirmem valores positivos, como a convivência pacífica (não armada) e solidária, são sem dúvida as formas mais eficientes para alcançar resultados a longo prazo na redução da violência.

Isso não invalida, no entanto, a importância dos mecanismos repressivos, para que condutas criminosas com grande potencial lesivo não fiquem impunes, como muitas vezes acontece, como têm demonstrado os relatórios anuais da pesquisa “Onde mora a impunidade”, do Instituto Sou da Paz. Aperfeiçoar as ferramentas para a alocação adequada do policiamento ostensivo, investir em inteligência policial voltada ao esclarecimento dos fatos que servirão de base para a responsabilização criminal, garantir um processo penal em que direitos e garantias sejam respeitados e ocorrências criminais sejam efetivamente esclarecidas, e que a execução da pena ocorra dentro da lei, em condições adequadas de encarceramento e atenção ao egresso do sistema prisional, são desafios cuja concretização é pressuposto da legitimidade social das polícias e da justiça penal.

É muito provável que as disputas políticas mais relevantes no Brasil e no mundo nas próximas décadas reproduzam os embates entre os defensores de mecanismos democráticos de organização e gestão da vida social, incluindo a segurança pública, com respeito à participação cidadã, à transparência e a toda uma base principiológica construída desde as grandes revoluções liberais e sociais dos últimos séculos, acrescida de valores mais recentemente consagrados, como a preservação ambiental, contra os defensores de ideais “tradicionalistas” de retorno a um passado idealizado de estratificações sociais legitimadas e privilégios sustentados pelas próprias instituições estatais. Frente a isso, nada mais atual do que a defesa do Estado democrático de direito no que ele tem de mais inovador: o reconhecimento formal da igualdade de todos perante a lei, quando se trata de estabelecer limites punitivos aos comportamentos em sociedade. Sendo assim, é preciso também reconhecer que não haverá democracia sem polícia e sem justiça penal. Trata-se de construir uma polícia e uma justiça penal para a democracia. 

 

 

Republicamos aqui o artigo do professor e cientista Político  Pedro Heitor Geraldo, pesquisador vinculado ai INCT/INEAC, "JUDICIÁRIO E SOCIEDADE  - Uma justiça autoritária?" , publicado no link  https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/judiciario-e-sociedade/uma-justica-autoritaria-16092022 .

 

JUDICIÁRIO E SOCIEDADE

Uma justiça autoritária?

Há uma constante queixa relativa ao tratamento desigual do sistema brasileiro

PEDRO HEITOR BARROS GERALDO
16/09/2022
Nos últimos meses, estive envolvido na coordenação do curso de extensão “Antirracismo e as Mobilizações Profissionais do Campo do Direito”, realizado pelo Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Sociologia do Direito (NSD) do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da Universidade Federal Fluminense (InEAC-UFF).

Ao longo do curso, tive a oportunidade de acompanhar como ouvinte uma série de aulas ministradas por profissionais do campo do direito, considerados referências pelo IDPN. Esses professores são profissionais inseridos nas instituições de justiça e no mercado da advocacia em diferentes estados. Além da formação jurídica, eles também compartilham uma perspectiva crítica sobre o papel encarcerador do sistema de justiça, que aflige principalmente a população negra. São todos profissionais muito sensíveis ao contexto da luta antirracista e compartilham uma forma de “fundamentar” seus entendimentos jurídicos por meio de filosofias estrangeiras de diferentes naturezas, como as do direito e as do conhecimento, por exemplo.

A experiência com e no sistema de justiça e na segurança pública produz um saber prático, dramatizado nos relatos dos casos e nas consequências nefastas do trabalho realizado pelas instituições de justiça. Para esses professores, assim como para outros operadores do direito, convivemos no Brasil com um sistema de justiça autoritário.


Esta formulação está orientada por algumas características comuns das práticas decisórias forenses. Os profissionais muitas vezes relatam com indignação a forma arbitrária pela qual as decisões são tomadas. Em outras palavras, a regra jurídica é objeto de ressignificação pelas autoridades por “entendimentos” segundo o “caso”. Tanto as regras de processo quanto as de direito material são por vezes desconsideradas, ignoradas ou ressignificadas, o que implica um grande arbítrio no gerenciamento dos processos e, consequentemente, no tensionamento dos conflitos.

Há uma constante queixa relativa ao tratamento desigual, à ausência de imparcialidade nos julgamentos, à falta de escuta dos envolvidos, à falta de atenção aos registros constantes nos processos, à falta de zelo com a execução penal (ainda muito degradante) e à desigualdade de atenção das autoridades segundo a natureza do conflito (e não do processo). Nesse cenário, em alguns conflitos relevantes, como homicídios, há uma demora para se decidir, enquanto em outros menos complexos, como um furto ou tráfico, decide-se rápido demais. Além disso, há também um reconhecimento da dificuldade em se delimitar o que é uma prova no processo criminal.

Este ponto de vista contrasta com a autoimagem da justiça, ciosa de sua credibilidade, a respeito de suas políticas de organização destinadas a modernizar, democratizar e garantir acessibilidade à tutela jurisdicional. A justiça reivindica uma excelência de seus quadros em razão do concurso público e exerce um poder sobre um amplo conjunto de conflitos levados pelas instituições e pela própria sociedade. Para os seus membros, os juízes, os milhões de processos seriam igualmente um sinal desta acessibilidade e democratização.

A Lava Jato sempre é uma referência constante como um exemplo de violação e disfuncionalidades do modelo acusatorial por diferentes operadores.

Como compreender este contraste entre a autoimagem do Judiciário e a justiça autoritária? Do ponto de vista dos operadores, este contraste produz uma descrença dos profissionais acerca do direito e promove uma compreensão em termos de disfuncionalidade do modelo acusatorial, aliás a Lava Jato sempre é um exemplo recorrente deste aspecto. Em nossa cultura jurídica, o modelo acusatorial é compreendido como um modelo positivo contra o inquisitorial, que é negativo e relegado ao inquérito policial sobre o qual Ministério Público e Judiciário poderiam melhor controlar as impressões parciais das instituições de segurança pública e corrigir abusos e excessos. Embora não seja exatamente isto que ocorre na prática, como sempre lembram em meio à insatisfação destes operadores do direito.

As frequentes reformas legislativas incidem sobre o processo, mas não sobre a organização da justiça. Os operadores do direito brasileiro naturalizaram a concentração de poderes instrutórios nos juízes de forma suplementar ao Ministério Público e às Polícias Civil e Militar. O processo é emendado como se o problema estivesse nas regras de procedimento utilizadas, em vez de se identificar as moralidades profissionais envolvidas na sua operacionalização e, principalmente, a finalidade desta organização de prover um tratamento desigualado dos cidadãos.

A defesa dogmática do modelo acusatorial em nosso contexto funciona como um obstáculo epistemológico, nos termos bachelardianos, no campo do direito brasileiro. Ela impede que os operadores discutam as formas de intervenção, sobre as consequências indesejadas do trabalho do sistema de justiça com base em evidências apresentadas por um amplo conjunto de pesquisas empíricas sobre o direito brasileiro, amplamente desenvolvidas em diferentes redes de pesquisa nacionais em diálogo direto com o campo do direito, a exemplo do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos financiado por agências de fomento a pesquisa; a Rede de Estudos Empíricos em Direito, organizada como uma associação; e as diferentes redes de pesquisa que se organizam nos congressos das associações dos cientistas sociais como a Associação Brasileira de Antropologia, a Sociedade Brasileira de Sociologia, a Associação Brasileira de Ciência Política e a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais.

A dificuldade de reconhecer a tradição inquisitorial nas formas de administração de conflitos produz um efeito em que os operadores atribuem os problemas da justiça a um disfuncionamento do modelo acusatorial, em vez de identificá-los como próprios de modelos inquisitoriais nos quais o julgador e acusador concentram muitos poderes enquanto a defesa tem menor margem de manobra, pois o processo penal tem por finalidade demonstrar a culpa já indicada nos primeiros registros produzidos pelo delegado ao indiciar o tipo penal e as circunstâncias do delito. No caso do processo penal, o juiz guarda um amplo poder decisório inclusive sobre os fatos. Por meio do processo, opera-se uma economia textual em que se pode ler os trechos do inquérito nas sentenças judiciais.

Desta forma, um contraste pode ser feito com a França, onde operadores do direito reconhecem a tradição inquisitorial e buscam reformar a justiça para limitar a decisão por meio de diferentes estratégias, como (a) a formação para o trabalho de julgar; (b) a complexificação da divisão do trabalho para a decisão judiciária; e (c) a organização da audiência judicial.

Em primeiro lugar, a formação para o trabalho de julgar realizada na Escola Nacional da Magistratura substituiu a formação no próprio trabalho, ou formação sur le tas. A crise da seleção de magistrados na França culminou na polêmica criação da ENM como explica Boigeol (2010). O trabalho de julgar tornou-se objeto de atenção institucional e de reprodução coletiva para os novatos. O aprendizado sob supervisão faz com que o erro tenha um efeito pedagógico para quem o cometeu e para a instituição, que pode revisá-lo e aperfeiçoar suas estratégias de reprodução das práticas do trabalho. Assim, os limites no julgamento, por exemplo, se tornam mais explícitos, ao contrário da experiência idiossincrática de aprendizado no trabalho dos magistrados e promotores no contexto brasileiro, onde o erro produz consequências negativas para quem erra — assim podemos compreender a práticas de delegação do erro em que a “corda arrebenta para o lado mais fraco”.

Em segundo lugar, há na França uma separação entre as ordens administrativa, constitucional e judiciária que delimita a concentração de competências. Além disto, a divisão do trabalho na produção da decisão busca limitar a concentração de poderes. Ao dividir as tipificações penais em contravenções, delitos e crimes, supõe-se também uma complexificação das jurisdições criminais em que contravenções e alguns delitos são julgadas por um juiz monocrático — uma exceção no contexto francês orientado pela ideia do juge unique, juge inique —, os delitos e alguns crimes por três juízes e os crimes mais graves por um escabinato composto por três juízes profissionais e seis jurados leigos. O processo penal também desconcentra poderes de instrução, revisão dos pedidos envolvendo a liberdade do réu por outro juiz e um terceiro, para julgar os fatos determinados pelo juiz da instrução a fim de garantir a imparcialidade do julgador. Enquanto no Brasil, todas estas competências podem estar concentradas num único juiz.

Por fim, a audiência judicial no contexto francês é o momento de acolhimento dos conflitos levados ao Judiciário. Ela acolhe um universo de interessados de diferentes “dossiers” que serão ouvidos diretamente pelo juiz numa única sessão. A audiência coletiva produz um efeito pedagógico em que os presentes aprendem o ritual e sua linguagem, e também podem experimentar o tratamento igualitário entre as decisões por meio da repetição da regra através dos casos. A decisão de justiça é uma escolha de uma regra explícita e literal cujo significado é um consenso para os operadores do direito. Há uma distinção fenomenológica entre a decisão proferida oralmente em audiência e a sentença, que é o registro escrito da decisão divulgada posteriormente à audiência. O público presente na audiência aprende por meio da observação, e constrange o juiz durante sua realização. O contraste então pode ser feito com as audiências de gabinete no contexto brasileiro, as quais são apenas uma etapa do processo e se caracterizam por restringir e excluir os cidadãos dos rituais de justiça.

As políticas de informatização do processo e mais recentemente de virtualização da própria justiça buscam se orientar por ideias de democratização e modernização, mas reproduzem toda a ética para lidar com o principal instrumento de administração de conflitos, o processo judicial. Os autos do processo são o repositório de registro sob controle das autoridades e também são propriedades dos tribunais, que os guardam nos cartórios. O processo eletrônico, o PJe, como os instrumentos de informatização, estão todos a serviço dos juízes. Estas transformações reproduziram sob outra forma a mesma organização da justiça. Quando o “sistema” funciona, proporciona aos cartórios a oportunidade de fazer com menos recursos humanos e remotamente o que já se fazia antes. A melhoria serve , portanto, apenas à própria justiça e não aos seus usuários.

Esta comparação com um modelo explicitamente inquisitorial nos permite compreender como a formação de juízes e promotores para o trabalho, a divisão do trabalho decisório e a organização da audiência podem sugerir chaves para lidar com nossa inquisitorialidade descontrolada e compreender como o processo e o cartório são instrumentos que alijam os cidadãos de maior inteligibilidade do sistema de justiça.

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Agradeço aos comentários de Fábio Ferraz de Almeida e Luiza Barçante Sanandres a este artigo.

BOIGEOL, A. A formação dos Magistrados: Do aprendizado na prática à escola profissional. Revista ética e filosofia política, v. 2, n. 12, p. 61–97, 2010.

PEDRO HEITOR BARROS GERALDO – Professor do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (InEAC-UFF), do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD), bolsista Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia do Direito.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/judiciario-e-sociedade/uma-justica-autoritaria-16092022

2º Seminário de Pesquisa "A organização profissional dos operadores do Direito: Os Desafios da Luta Antirracista".
De 12 a 15 de setembro de 2022
 
Dia 12/09 - 14h
Oficina: Defesa nos PAD’s da execução penal.
Juliana Sanches Ramos (IDPN)
Betânia de Oliveira Almeida de Andrade (UFF)
Pedro Heitor Barros Geraldo (UFF)
Local: InEAC - UFF (Campus do Valonguinho - Niterói)
 
Dia 13/09 - 14h
Oficina: Protocolo de julgamento de gênero.
Ana Paula de Oliveira Sciammarella (UNIRIO) 
Fabiana Severi (FDRP-USP)
Local: Centro de Ciência Jurídicas e Políticas - UNIRIO (Botafogo)
 
Dia 14/09 - 14h
Oficina: Defesa dos povos de terreiro.
Ilzver de Matos Oliveira - Pesquisador de pós-doutorado no PPGA-UFF e diretor de Direitos Humanos da Prefeitura de Aracaju-SE.
Local: InEAC - UFF (Campus do Valonguinho - Niterói)
 
Dia 15/09 - 9h-19h
9h30: Abertura 
 
TRANSMISSÃO LEMI - Laboratório Estúdio Multimídia do Ineac
 
10h-12h: 1ª Mesa – Os desafios da advocacia para a defesa da população negra 
ADVOGADES PALESTRANTES:
Marina Camargo (Comissão da Igualdade Seccional Ribeirão Preto OAB SP e Mestranda no PPGD-UNAERP)
Fernanda Ramos (Comissão e Igualdade Racial e Combate à Intolerância Religiosa OAB,RJ)
Rogério de Santana (Coordenador adjunto da comissão de defesa das prerrogativas Preta Carioca OABRJ)
Matheus Leite de Carvalho (Comissão de Igualdade Racial da OAB, Comissão OAB/Jovem e Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB 12ª subseção do Rio de Janeiro)
Andréa Rocha dos Santos (Mestranda no PPGD-UFRJ)
Joel Pires Marques Filho (Advogado OAB/RJ, Laboratório Geru Maa de Africologia e Estudos Ameríndios/UFF)
Mediação: Isabella Martins (UFF)
 
12h-14h: Almoço 
 
14h-16h: 2ª Mesa – Os 2 anos do Instituto de Defesa da População Negra (IDNP)
Juliana Sanches Ramos (IDPN)
Joel Luiz Costa (IDPN)
Djefferson Amadeus (IDPN)
Marcela Teles Andrade Cardoso (IDPN)
Monalisa Santana de Castro (IDPN).
Apresentação do Núcleo de Pesquisa em Direito e Relações Raciais Esperança Garcia (NUEPEG) - Prof. Paulo Eduardo Alves da Silva (PPGD/FDRP/USP)
Mediação: Mariana dos Santos Vianna (UFF)
 
TRANSMISSÃO LEMI - Laboratório Estúdio Multimídia do Ineac
 
 
16h-16h15: Coffee Break
 
16h15-18h15: 3ª Mesa – O “Caso Ilzver” e os desafios da implementação da lei de reserva de vagas nos concursos públicos nas IFES
Ilzver de Matos Oliveira (PPGA-UFF)
Ricardo Carrano (UFF)
Carlos Victor Nascimento dos Santos (UFF)
Mayara Giraldelo Pitta Lopes (FSERJ)
 
TRANSMISSÃO LEMI - Laboratório Estúdio Multimídia do Ineac
 
 
18h15: Encerramento
19h: Coquetel
 
REALIZAÇÃO:
Instituto de Defesa da População Negra (IDPN)
Núcleo de Pesquisa em Sociologia do Direito (NSD-UFF)
 
APOIO FINANCEIRO:
FAPERJ / CNPq / INCT-InEAC / CAPES
 
 
 
 
 
 
 

A missa de sétimo dia da nossa querida Profa. Maria Stella Faria de Amorim será no próximo sábado,  dia 17 de setembro de 2022, às 17:30h, na igreja Nossa Senhora de Copacabana, na Rua Hilário de Gouveia - Copacabana - RJ . 

Profa. Maria Stella Faria de Amorim (26/01/1936 – 11/09/2022), foi pesquisadora, professora, autora, conselheira e gestora, e atuou de modo brilhante nos campos disciplinares da Antropologia, da Sociologia, das Ciências Sociais e do Direito, integrando em diferentes posições os quadros da Universidade do Brasil (1963-1967), do IFCS-UFRJ (1967-1993), do ICHF-UFF (1978-1989), da Universidade Gama Filho – UGF (1978-2014), da Fundação Darcy Ribeiro (1996 até o presente), do INCT-InEAC (2009 até o presente), da Universidad de Buenos Aires – UBA (2009-2011), da Universidade Nova de Lisboa (2010) e da Universidade Veiga de Almeida .

Doutora e Livre Docente (Leis Federais 5.802/1972 e 6.096/1974) em Sociologia pelo ICHF/UFF, em 1975. Curso de Mestrado em Antropologia Social no PPGAS/UFRJ, Curso de Especialização em Antropologia Social na antiga Divisão de Antropologia do Museu Nacional. Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela antiga Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil. Professora Titular de Sociologia do IFCS/UFRJ (aposentada e colaboradora eventual).Professora Titular de Sociologia Jurídica do Programa de Pós-Graduação em Direito da UGF. Atual professora titular de Sociologia do Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito ( Mestrado e Doutorado) da Universidade Veiga de Almeida (UVA). Research Associate na Universidade de Harvard (USA -1971/1972) e Professora Visitante na Universidade Internacional de Lisboa. Pesquisas realizadas: Índios Maxakali do Nordeste de Minas Gerais; Burocracias do Nordeste Brasileiro; Pescadores da Lagoa de Maricá (RJ); Ética, cidadania e privilégios; Institucionalização das Ciências Sociais no Rio de Janeiro; Juizados Especiais Criminais na Baixada Fluminense; Juizados Especiais e Federais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Juizados Especiais em perspectiva Comparada; Juizados da Violência Familiar e contra a Mulher; Acesso à justiça e prestação jurisdicional em tribunais do Rio de Janeiro; Meios alternativos na Justiça Brasileira, entre outras. Participante, pesquisadora e parceira nos editais Pró-Africa/CNPq; Capes/SPU/CAPG-Brasil-Argentina; CAPES/CNJ Acadêmico; Humanidades/Faperj; Pensa Rio/Faperj; BRA/SRJ/MJ/PNUD; CAPES/FCT-Brasil-Portugal; INCT-InEAC/CNPq/Faperj pesquisadora. Membro Permanente do Conselho da Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR). Membro efetivo da Associação Brasileira de Antropologia (ABA); da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS); da Sociedade Argentina de Sociologia Jurídica (SASJ) e associada do CONPEDI. Coordenadora do PPGD-UGF de 02/2009 a 01/2012, nota 5 CAPES e Coordenadora do PPGD-UVA de 05/2014 a 08/2015, nota 4 CAPES. Membro do Comitê Gestor do INCT-INEAC/UFF.

 

 

Terça, 13 Setembro 2022 15:23

Seleção de Doutorado PPGAS/UnB

 

O Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília - PPGAS/UnB - está com inscrições abertas para Seleção de Doutorado para ingresso de estudantes em março/2023.

 

Doutorado - inscrições de 5 de setembro a 5 de outubro de 2022

 

Em breve informações sobre a Seleção de Mestrado

 

Os Editais de Seleção estão disponíveis no site:

http://dan.unb.br/pt/junte-se-a-nos/processos-seletivos/abertos

 

NOTA DE FALECIMENTO
PROFa. MARIA STELLA FARIA DE AMORIM
(26/01/1936 – 11/09/2022)

O Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense – PPGA-UFF lamenta profundamente o falecimento da Profa. Maria Stella Faria de Amorim, ocorrido ontem, dia 11 de setembro de 2022. Ao longo de seis décadas de experiência profissional como pesquisadora, professora, autora, conselheira e gestora, Stella Amorim atuou de modo brilhante nos campos disciplinares da Antropologia, da Sociologia, das Ciências Sociais e do Direito, integrando em diferentes posições os quadros da Universidade do Brasil (1963-1967), do IFCS-UFRJ (1967-1993), do ICHF-UFF (1978-1989), da Universidade Gama Filho – UGF (1978-2014), da Fundação Darcy Ribeiro (1996 até o presente), do INCT-InEAC (2009 até o presente), da Universidad de Buenos Aires – UBA (2009-2011), da Universidade Nova de Lisboa (2010) e da Universidade Veiga de Almeida – UVV (2014 até o presente). Com seu alto rigor acadêmico, destacada competência, bom humor e pensamento crítico marcante, contribuiu para a formação de várias gerações de profissionais, muitos deles hoje professores, tendo participado de diversas bancas examinadoras, projetos institucionais, missões de trabalho, seminários, mesas redondas, cursos e outras atividades do PPGA-UFF desde a sua criação. O velório será realizado amanhã, dia 13 de setembro de 2022, na capela 6 do Cemitério São João Batista, em Botafogo - RJ, das 12h às 15h. Nossos sentimentos a familiares, amigos, colegas, orientandos, alunos e alunas da Profa. Stella Amorim.

 

O que esperar da política de segurança pública em 2023?
Especialistas do Instituto Sou da Paz, Fogo Cruzado e Universidade Federal Fluminense analisam os planos de governo dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas .

O site do INCT/INEAC reproduz aqui matéria da Revista CARTA CAPITAL (https://www.cartacapital.com.br/politica/o-que-esperar-da-politica-de-seguranca-publica-em-2023/) publicada nessa segunda-feira 12/9/22 e que conta com a participação do antropólogo Lenin Pires , pesquisador vinculado ao INCT/INEAC .

 

POLÍTICA
O que esperar da política de segurança pública em 2023?
Especialistas do Instituto Sou da Paz, Fogo Cruzado e Universidade Federal Fluminense analisam os planos de governo dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas

POR CAMILA DA SILVA 

 

Apesar de uma leve e desigual redução no número de mortes violentas intencionais, o Brasil ainda convive com episódios preocupantes de violência extrema. Nos últimos anos, foram simbólicos o massacre na favela do Jacarezinho, a execução em câmara de de gás de Sergipe, e os assassinatos do indigenista Bruno e do jornalista Dom Phillips.

Também preocupa a disparada no número de armas em circulação no País. Segundo dados obtidos pelos institutos Igarapé e Sou da Paz, o número de armas registradas 

no País chegou a 1 milhão. Só na região amazônica, o aumento foi de 700%. O cenário revela a fragilidade dos arranjos institucionais da segurança pública no país e impõe desafios ao próximo ocupante da cadeira presidencial.

Para analisar os destaques das propostas dos candidatos e como eles pretendem mudar este cenário, CartaCapital convidou Cecília Olliveira, diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado e ​​especialista em tráfico de armas e drogas; Lenin Pires, antropólogo, professor do Departamento de Segurança Pública e diretor do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da Universidade Federal Fluminense e Carolina Ricardo, advogada, socióloga e diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

CartaCapital: Há pontos em comum nos planos. Um deles é a implementação do Sistema Único de Segurança Pública, o SUSP. Qual sua importância para diminuição dos indicadores de violência?
Cecília: O Sistema Único de Segurança Pública foi criado em 2018 com o objetivo de preservar a ordem pública e a integridade das pessoas e do patrimônio, através da atuação conjunta dos órgãos de segurança pública nas esferas Federal, Estadual e Municipal.  A principal função do SUSP é proporcionar o compartilhamento de informações entre os órgãos de segurança pública. A integração das forças de segurança sob a mesma governança permite uma padronização de dados, integração tecnológica e de inteligência em informações e operações. Isso gera maior eficiência para que o sistema opere de forma mais eficaz na prevenção da violência e no controle qualificado da criminalidade.

 

Lenin: Um episódio que contaminou o SUSP foi a intervenção federal no Rio de Janeiro. Você tem na prática aquilo que seria um Sistema Único de Segurança Pública para integrar atividades de profissionais civis na prática, por um lado, por conta do que aconteceu no Rio de Janeiro e por outro lado a emergência explícita das Forças Armadas no cenário federal fez com que esta integração seja muito mais pensada dentro dessa coisa ostensiva, do que na questão da inteligência. 

O que fragilizou bastante as fronteiras, permitindo evidentemente o aumento de tráfico de drogas e tráfico de armas, entre outras formas de contrabando. Evidentemente, os decretos do governo Bolsonaro permitiram uma circulação inconstitucional de que também contribuíram bastante para isso, porque hoje os contrabandistas têm formas de legitimar suas ações, mas sobretudo na fragilidade das polícias federais. 

A Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal — esta, inclusive, passou a atuar ostensivamente em qualquer lugar do País, não só cuidando das das rotas, mas buscando o maior protagonismo nacional urbano. Então diria que essa coisa da integração foi deturpada pela ênfase da guerra às drogas e à ostensividade.

CC: Qual a efetividade da tecnologia para prevenção e investigação de crimes? O que merece ser destacado?
Cecília: Não existe bala de prata na segurança pública e muitas vezes a tecnologia é tomada como uma solução mágica. E não é, O uso de no combate ao crime organizado é, sem dúvida, uma ferramenta indispensável para construir políticas de fiscalização da fronteira, rastreio e monitoramento de armas e munições, interceptação das rotas do tráfico internacional de drogas que cortam o país, monitoramento do garimpo ilegal na Amazônia comandada por grupos criminosos e para solucionar homicídios.

Mas as ferramentas tecnológicas estão sujeitas ao uso – não raro político – que se faz delas e às escolhas que fazemos enquanto sociedade. Para avaliar o impacto de uma tecnologia com foco em combater a criminalidade, é preciso saber antes quais os quais os objetivos e metas e qual o planejamento por trás do seu uso.

Lenin: ​​Se o uso da força é ostensivo, e muitas vezes abusivos, as tecnologias também vão favorecer isso. No Rio de Janeiro, por exemplo, policiais já começam a organizar a atividade deles de maneira que a bateria das câmeras que eles carregam sejam gastas num contexto onde eles estão aparentemente lidando com o patrulhamento. E, na hora que o sujeito vai lá na favela, acabou a bateria.

 

LULA (PT)


CC: O candidato fala sobre a implementação de diretrizes nacionais e padronização dos procedimentos operacionais, essa é uma medida viável?

Lenin: Olha, não é descartável esse tipo de medida, mas a cultura institucional corporativa é muito mais forte. São profissionais formados a partir de uma pedagogia muito particular, que apostam em mudar o corpo dos profissionais, na socialização  pela extenuação e que colocam a identidade policial num patamar superior ao da população. É muito difícil mudar esse paradigma com “cursinho isolado”. É necessário um programa onde a socialização dos policiais seja feita junto com a população, em cursos de capacitação e extensão.

 

Cecília: Ações voltadas para a valorização do trabalho policial, melhoria nas condições de trabalho e de proteção são sem dúvidas essenciais. Mas elas não resolverão o problema que está arraigado no nosso modo de fazer política de segurança. É preciso investir em planejamento, em informação e inteligência, mas também entender a segurança como parte de algo maior, levando em consideração outras políticas públicas, como as educacionais e sociais.

A segurança não pode ser o último bastião dos problemas sociais, depois que tudo falhou, como é a décadas. Sem ações sistêmicas, focadas, baseadas em evidência e não apenas na letalidade, que muitas vezes ajuda a angariar votos, não veremos uma substancial nesse quadro. 

Carolina: Na proposta do Lula tem cinco pontos específicos de segurança pública, dois deles de valorização do profissional, então parece que a valorização dos agentes será um princípio orientador de todas as políticas.

É um valor importante, assim como um plano de direitos humanos, mas ele é o começo, não é suficiente. E aí quando a gente olha a outra parte [do plano] me parece que teve um esforço de pensar concretamente, de pensar formação e seleção, padronizar  os procedimentos operacionais e abrir diálogo para modernização das carreiras. Mas também é preciso conversar sobre os marcos legais das polícias.

Pelo menos no que foi formalizado, não entrou nada sobre a questão de controle de armas, é muito importante retomar o que está no Estatuto do Desarmamento de manter a proibição do porte de armas.

 

JAIR BOLSONARO (PL)

CC: Bolsonaro apresenta um aumento da população carcerária e apreensão de drogas como resultado positivo de seu mandato. Quais seriam as consequências de mais quatro anos dessa política?

Cecília: A prisão não resolve tudo. Prendemos muito, mas isso não tem tido impacto em nossos índices criminais. Os crimes contra a pessoa somam 11% [das prisões]. Isso significa que os crimes contra a vida, num País que perde em média 50 mil pessoas assassinadas por ano, não tem sido olhados como deveria.

O Fogo Cruzado mapeia tiroteios e disparos de arma de fogo em 3 regiões metropolitanas. Rio de Janeiro, Recife e Salvador. Em Rio e Salvador, apenas em agosto, mapeamos 3 e 6 chacinas, respectivamente.

Em Recife, 91 crianças e adolescentes foram baleadas nesses 8 meses de 2022. Se apenas prender indivíduos resultasse em mais segurança, o cenário seria bem diferente, não? Segurança pública se faz com inteligência, planejamento e participação dos cidadãos. 

Carolina: Eu não acredito que esse é o maior problema do plano dele [mas, sim] quando ele gasta um trecho inteiro falando da importância da preservação e potencialização do exercício da legítima defesa que autoriza o uso da força inclusive com arma de fogo. Ele apostou numa lógica de Segurança Pública que não é uma lógica coletiva da política pública, ele apostou no todos contra todos.

Lenin: Sobre o Bolsonaro, eu quero te chamar atenção para um detalhe. Ele diz que a política que ele vai desenvolver em todos os níveis é para os cidadãos que trabalham. Então, para ele o cidadão é o que trabalha e tem família, ou seja, os moradores de rua, os estrangeiros, as pessoas desempregadas. São 40 milhões de pessoas na informalidade, pelo menos 30 milhões passando fome, ou seja, nessa lógica temos 70 milhões de não-cidadãos, segundo Bolsonaro.

A política dele é toda de reafirmação da repressão, ele já definiu o limite da cidadania e portanto para quem pode ser pensado algum tipo de direito civil. 

CIRO GOMES (PDT)

 

CC: Diferentemente dos outros planos, há destaque ao programa de proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte. Quais os impactos específicos da violência armada contra esse grupo?

Carolina: Há diferentes formas de violência contra às crianças e adolescentes e é muito importante que tenha uma prioridade específica sobre isso como tem no plano do Ciro.

A gente presta atenção na questão da violência armada que tem atingido cada vez mais crianças e adolescentes em contextos vulneráveis de violência à tráfico de drogas, eventualmente os chamados casos das “balas perdidas”.

O programa de proteção a crianças e adolescentes atinge esses casos mais graves e é fundamental que tenham outras políticas que olhem para outros tipos de violência contra às crianças e adolescentes, como a violência doméstica.

Cecília: Em toda a série histórica do Fogo Cruzado, são 1.083 crianças e adolescentes baleados somente nas regiões metropolitanas do Rio, Recife e Salvador somadas. E há ainda o impacto que raramente ganha a devida atenção: operações policiais mal planejadas com muita frequência resultam em escolas fechadas.

Anos atrás, o Nobel de Economia, James Heckman, mostrou que o investimento na primeira infância ―de zero a 5 anos― é uma estratégia primordial para o crescimento econômico: para cada dólar gasto, o retorno financeiro para a sociedade era de seis dólares , com um retorno sobre o investimento de 7 a 10% ao ano. É preciso virar a chave da segurança pública para preservar a infância e planejar nosso futuro. Não existe amanhã sem o hoje.


SIMONE TEBET (MDB)


CC: Como você avalia as propostas principais do plano de recriar o Ministério da Segurança Pública e atualizar o Código de Execução Penal e o Código de Processo Penal?

Carol: [Em relação a alteração da legislação penal] Essa é uma tentativa de dialogar com essa sensação que as pessoas têm da impunidade – que não vem tanto no caso de homicídios, mas fala muito mais da questão do crime patrimonial. As pessoas estão com medo por causa do Pix, de ter o celular roubado. Essas propostas tentam responder a isso. Seria muito mais efetivo fazer uma discussão de gestão das polícias.

Lenin: O programa da Simone Tebet é interessante, o problema é que os pontos estão ancorados numa visão de mundo. Como se, por exemplo, os setores privados tivessem um compromisso com essas mudanças que são necessárias em todos os âmbitos, mas não há nenhuma menção aos direitos civis. 

Em relação a priorização com os ministérios, depende da orientação. Eu acho legal. Assim como o Rio de Janeiro ficou muito mal das pernas sem uma Secretaria de Segurança Pública.

Cecília: O essencial quando se fala em órgãos relacionados à segurança pública no Brasil hoje é notarmos que não existe integração dos dados da segurança pública. Dentre as principais mazelas da segurança, está a falta de um sistema unificado de dados da segurança. Isso é fundamental para criação de políticas públicas efetivas. O que se vê hoje são registros que apresentam significativa variação de qualidade no preenchimento a depender da Unidade da Federação. Para que sejam elaboradas políticas públicas eficazes, antes de tudo deve ser feita uma análise precisa dos fenômenos;

Como fazer isso sem que ocorra a melhoria da qualidade e transparência dos dados de segurança pública? Como saber o real significado da expansão da política de armas se até o Exército que é que habilita colecionadores, atiradores e caçadores diz não saber detalhes dessas armas?

A gente vive um verdadeiro apagão de informações e não tem como dar qualquer passo adiante sem superar esse problema. Para que tenha real dimensão do problema: até hoje não existe integração entre os sistemas do Exército com os de órgãos de segurança pública. Uma das integrações previstas seria a do Sisnar (Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército) com o Sinesp (Sistema Nacional de Informação de Segurança Pública).

O Sinesp é o sistema do Ministério da Justiça e da Segurança Pública que agrega dados de segurança pública e pode ser acessado por policiais estaduais, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal. Atualmente, ele é a principal ferramenta usada no dia a dia de policiais para o rastreamento de armas. No entanto, não agrega dados do Exército, que é o órgão responsável por registrar armas de CACs, militares das Forças Armadas e policiais. 

 

Camila da Silva
Repórter e Produtora de CartaCapital

 

Comunicado de Falecimento da Professora Maria Stella Faria de Amorim

Na qualidade de coordenador do InEAC cumpre-me a triste tarefa de comunicar o falecimento, hoje à tarde (11/9/22), no Hospital da UNIMED na Barra da Tijuca, da Professora Stella Amorim, pesquisadora, coordenadora de sub-projeto,  membro do Comitê Gestor do InEAC e Coordenadora do NUPIAC/PPGD/UVA.

Logo que receber informações, comunicarei aos colegas detalhes acerca das cerimônias fúnebres.

Roberto Kant de Lima

 

 

 

Sábado, 10 Setembro 2022 23:58

IX SEMINÁRIO INTERNACIONAL DO INCT/INEAC

"Direitos, Desigualdades e Ciência - Impactos da pandemia em Perspectiva Comparada" , esse é o tema do IX SEMINÁRIO INTERNACIONAL DO INCT/INEAC, que já está com as inscrições abertas e acontecerá entre os dias  25 a 28 de Outubro de 2022, no formato híbrido.

 

FORMATO HÍBRIDO

 

Algumas atividades, como os GTs serão realizadas inteiramente online, porem as Mesas Temáticas e Conferências acontecerão presencialmente, na recém inaugurada sede do IAC, o Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos, no campus do Valonguinho da UFF, com transmissão ao vivo realizada pelo LEMI- laboratório Estúdio Multimídia do INCT-InEAC. 

O IX Seminário é aberto a todas e todos. As mesas e conferências serão transmitidas ao vivo pelo nosso canal no YouTube e também poderão ser assistidas presencialmente no auditório do IAC, no campus do Valonguinho da UFF.

Por outro lado, os GTs não terão transmissão ao vivo e os inscritos deverão acessá-los pela plataforma Zoom, cujos links estarão disponíveis na área dos inscritos no site IX SEMINÁRIO INTERNACIONAL DO INCT/INEAC,

É imprescindível que todas e todos que desejem assistir aos GTs estejam devidamente inscritos, bem como para receber os certificados de ouvinte das Mesas e Conferências.

 

Fiquem atentos aos prazos de inscrição do evento e também de submissão de trabalho nos nossos GTs.

 

Mais informações acesse o Site do IX SEMINÁRIO INTERNACIONAL DO INCT/INEAC através do link

https://www.ixseminariodoineac.com/

 

 

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