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Claúdio Salles

Claúdio Salles

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) realiza, no próximo dia 27 de maio,de 2021,  debate sobre os impactos da pandemia no trabalho de campo e discussão sobre o uso de ferramentas digitais no fazer etnográfico .  O Webinário conta com a participação de Jean Segata (UFRGS), coordenador da Rede Covid-19 Humanidades MCTI, Laura Graziela Gomes (UFF/INCT - INEAC), Letícia Cesarino (UFSC) e Eliane Tânia Freitas (UFRN), com a mediação de Ramon Reis e organização de Carolina Parreiras.

O webiníario  " Fazer etnográfico, ambientes digitais e tecnologias" acontece na quinta-feira, dia 27 de maio, às 16h, no canal do Youtube da TV Aba.

Link do evento: https://www.youtube.com/watch?v=Hyn4ojtZaPs 

 


O coordenador do INCT/INEAC, Roberto Kant de Lima, é o convidado da PPGS da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) para aula inaugural "Desafios das ciências sociais no contexto atual", que acontecerá nessa quinta-feira,  27 de maio de 2021.

Além da participação como palestrante do Prof. Dr. Roberto Kant de Lima, também participarão o Prof. Dr Márcio Mucedula Aguiar (Coordenador do PPGS/UFGD) e o Prof. Dr. Marcelo Campos (UFGD/Pesquisador INCT/InEAC).

A atividade será online às 19:00 horas, horário de MS e 20:00h no horário de Brasília. O LEMI - Laboratório de Estudos Multimídias do INCT/INEAC transmitirá o evento. Para assistir acesse o canal do INCT INEAC ou o canal do Lamics.

As inscrições podem ser realizadas através do link: Inscrições: https://www.even3.com.br/ppgsufgd (Certificação de 2 h/a)

 Acompanhe o Lamics no instagram @capivarasociologica!

 

Na quarta-feira, dia 25 de maio, de 2021,  a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) realiza reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar casos de intolerância religiosa no estado do Rio de Janeiro. A Comissão, presidida pela Deputa Estadual Martha Rocha (PDT) conta com a deputada Tia Ju (REP) para vice-presidente, além do deputado Átila Nunes (MDB) como relator e ainda a participação dos deputados Waldeck Carneiro (PT), Carlos Minc (PSB), Noel de Carvalho (PSDB), e pelas deputadas Dani Monteiro (Psol), Renata Souza (Psol), Monica Francisco (Psol) e Adriana Balthazar (NOVO). A antropóloga Ana Paula Mendes de Miranda e a historiadora Lana Lage, ambas pesquisadoras do INCT/INEAC foram convidadas para participarem do encontro.

Entre 2015 a 2019 foram registrados pela Polícia Civil cerca de 6.700 crimes por esse tipo de atitude. Em 2020, verificou-se 1.355 casos, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP.)

A Revista Antropolítica lança nessa segunda-feira, dia 24 de maio, de 2021, às 20h, o dossiê "Direito em Perspectiva Empírica: Práticas, Saberes e Moralidades" . Para assistir acesse o canal do INCT/INEAC no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=sBhXm-CEub4
 
 
 
(1) AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E VIOLÊNCIA POLICIAL: ANÁLISE DO ENCAMINHAMENTO DAS DENÚNCIAS EM DUAS GESTÕES NA CIDADE DE SÃO PAULO Giane Silvestre, Maria Gorete Marques de Jesus, Ana Luiza Villela de Viana Bandeira - ANA LUÍZA E GORETE CONFIRMARAM
 
(2)  OS MODELÕES E A MERA FORMALIDADE: PRODUÇÃO DE DECISÕES E SENTENÇAS EM UMA VARA CRIMINAL DA BAIXADA FLUMINENSE DO RIO DE JANEIRO - Marilha Gabriela Reverendo Garau
 
(3) MORALIDADES EM JOGO NO JULGAMENTO DE MULHERES ACUSADAS DA MORTE OU TENTATIVA DE MORTE DE SEUS/SUAS RECÉM-NASCIDOS/AS - Bruna Angotti 
 
(4) ENTRE JUSTAPOSIÇÕES E CONTRAPOSIÇÕES: INSTRUMENTOS JURÍDICOS, DISCURSOS E PRÁTICAS EM TORNO DA ADMINISTRAÇÃO DE HOMENS AUTORES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER - Paulo Victor Leite Lopes 
 
(5) ENTRE DOCUMENTOS, INQUIRIÇÕES E INSPEÇÕES: A TRAMA DA PRODUÇÃO DE PROVAS EM PROCESSOS DE APOSENTADORIA RURAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS - Jordi Othon Angelo e Luís Roberto Cardoso de Oliveira 
 
(6) DO ACESSO AO SEGREDO AO (DES)ACESSO À JUSTIÇA: ALIENAÇÃO PARENTAL ENTRE MORALIDADES E TÉCNICAS EM DISPUTA - Rafaella Rodrigues Malta e Camila Silva Nicácio 
 
Outras informações confira no cartaz abaixo.

A Live da série "Conversas sobre História e Justiça", traz nessa quarta-feira, 19 de maio, de 2021, às 16h,  a participação da Profa. Dra. Lana Lage (InEAC/UFF) desenvolvendo o tema "O suspeito é o culpado: características do processo no Tribunal da Inquisição". A live terá a mediação da Profa. Dra. Patrícia Valim (UFBA).

Para assistir acesse o link https://www.youtube.com/watch?v=qeBQPR1ler0

 

A Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação (PROPPI) e a Agência de Inovação (AGIR) da Universidade Federal Fluminense (UFF) lançam o Edital de Chamamento e Registro de Experiências de Tecnologia Social de 2021.

O Edital está aberto para docentes, técnicos-administrativos e/ou alunos  apresentarem suas experiências de tecnologia social desenvolvidas no âmbito da UFF, visando o mapeamento, documentação e divulgação das informações, dando visibilidade às experiências desenvolvidas, produzindo registro e memória a partir das iniciativas registradas.

Em decorrência do cenário provocado pela pandemia do COVID-19, o edital também visa contemplar experiências de tecnologia social elaboradas para o enfrentamento do COVID-19.
As inscrições estão abertas até o dia 18 de junho de 2021. Para ter acesso a todas as informações e saber se possui os pré-requisitos, acesse o edital clicando aqui.

As experiências selecionadas se somarão àquelas já catalogadas e integrarão o Catálogo de Tecnologias Sociais 2021.

Para conhecer mais sobre o catálogo, acesse o link: http://tecnologiasocial.uff.br/?p=5699

 

Disponibilizamos em nosso site o artigo "Sujeição sanitária e cidadania vertical: Analogias entre as políticas públicas de extermínio na segurança pública e na saúde pública no Brasil de hoje", escrito pelo antropólogo e coordenador do INCT/INEAC Roberto Kant de Lima (UFF/UVA) e o Sociólogo Marcelo da Silveira Campos (UFGD e INCT/INEAC). Essa versão traduzida para o inglês e com a inclusão de alguns dados, foi publicada no site do Center of Brazil Studies na série One-Pager,  vinculado ao College of International Studies, The University of Oklahoma.

Confira o artigo no PDF abaixo em anexo.

 

 

Reproduzimos aqui o artigo "Sobre Tempo e Espaço em tempos de pandemia," escrito pelo antropólogo Ronaldo Lobão (UFF - INCT/INEAC) e publicado no Blog Ciência e Matemática do O GLOBO, no endereço https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/sobre-tempo-e-espaco-em-tempos-de-pandemia.html

Confira abaixo o artigo.

 

Sobre Tempo e Espaço em tempos de pandemia

10/05/2021 • 11:15

Ronaldo Lobão

 

Para começar, quero dizer que penso ser impossível generalizar as experiências das pessoas durante a quarentena. Como antropólogo, preciso da experiência empírica para olhar, preciso da interação com as pessoas para ouvir, de um certo distanciamento temporal para refletir sobre elas  de forma adequada. Tais atos cognitivos não devem ser confundidos com a ação dos órgãos dos sentidos correlatos, a visão e a audição, conforme nos ensinou Roberto Cardoso de Oliveira. Tenho certeza de que, em isolamento social, olhar e ouvir são impossíveis!

Mas posso, a partir de alguma teoria e de minha experiência pessoal, especular sobre algumas mudanças nas relações das pessoas com o tempo e com o espaço durante a quarentena, e também na perspectiva de um rearranjo das condições de trabalho que estão sendo chamadas de o “novo normal”.

Santo Agostinho registrou sobre o Tempo a seguinte confissão: “Se ninguém me pergunta, eu o sei; mas se me perguntam, e quero explicar, não sei mais nada”. Immanuel Kant resolveu este dilema de forma simples, Tempo e Espaço seriam categorias inatas do pensamento. Não necessitariam de definição.

Um geógrafo sino-americano, Y-Fu-Tuan, formulou ideias interessantes para os conhecer. A percepção do Tempo seria informada pelas mudanças em nosso estado interior. De alegre a triste; de atento a desatento; tenso ou calmo. Na sociedade moderna, temos o relógio para assinalar os intervalos entre estes estados. Mas Marshall Sahlins mostrou que a experiência do Tempo muda conforme nossas emoções. Se estamos alegres o Tempo passa vertiginosamente. Se estamos tristes o Tempo parece não “passar”. Há um desacordo com o relógio!

Também segundo Tuan, o Espaço nos é informado por nossos órgãos dos sentidos, sejam a visão, a audição, o tato e, eventualmente, o olfato. Aprendemos a medir a distância desde bebês através destes sentidos.

Já a sensação do movimento seria o resultado de uma relação entre o Tempo e o Espaço, tal como a Física mede a velocidade. O Espaço pode ser o resultado da experiência de nosso movimento em um dado período de Tempo, não?

Não é difícil pensar que, na situação de isolamento social em que vivemos, confinados em um mesmo espaço e restringidos em nossas possibilidades de movimento, temos uma percepção de Tempo e Espaço distorcida em relação à experiência que tivemos até aqui.

Roberto DaMatta sugeriu duas distinções que penso serem interessantes para ajudar a compreender o papel da dimensão emocional durante a pandemia atual. De um lado temos a diferença entre a Casa e a Rua. De outro temos as categorias sociológicas da Pessoa e do Indivíduo.

Fazendo algumas adaptações entre o pensamento desse autor, posso sugerir que a Casa seria o lugar da segurança, das relações pessoais, dos afetos. A Rua representaria o Espaço do risco, das regras impessoais, dos interesses individuais. Encontros duradouros fora de casa, sejam na rua, sejam no trabalho, têm o potencial de ampliar os lugares nos quais nos sentimos seguros, pois temos autonomia em decidir como nos comportar, podemos nos abrir afetivamente.

No ambiente da Casa estamos limitados às nossas experiências pretéritas para reconstruir emoções e sensações do que assistimos na tela de um computador, smartphone, tablet. Quem não assistiu a um show musical ao vivo não conseguirá rememorar as mesmas emoções ao assistir a um show no YouTube. Assim, vivemos em um ciclo repetitivo de nossas experiências pretéritas, limitado por excelência, e que  penso que em breve poderá trazer graves consequências, principalmente se for considerado um “novo normal”...

Porém não penso que a forma como estamos vivendo seja nem “nova”, nem “normal”. Avalio que há implicações nas restrições impostas pelo isolamento social que não afloraram mais claramente, pois temos um inimigo maior, que é o vírus, contra o qual acionamos todas nossas defesas. Mas ainda assim é possível fazer algumas ilações.

Por exemplo, na esfera da Casa sou uma pessoa que se relaciona com as pessoas da família e os lugares de uma determinada forma. Posso ser afetivo, controlador, bagunceiro, egoísta, etc. Minha identidade na Casa foi construída em relações com meus pais e irmãos e atualizada quando adulto em relação a meu companheiro ou companheira e filhos, animais de estimação, plantas, oficinas, etc.

Na sociedade contemporânea, na esfera do trabalho, sou um indivíduo que age em conformidade com o que é esperado e que foi aprendido fora do ambiente familiar. Por exemplo, eu não aprendi antropologia em Casa. Não aprendi a ser professor em Casa. Não aprendi a ser pesquisador em Casa.

Há uma trajetória riquíssima na construção deste personagem, o “trabalhador moderno”, aquele que vende sua força de trabalho no mercado. Mas na vertente que interessa a meu argumento, posso dizer que foi construída uma distância entre a identidade pessoal na Casa e a identidade coletiva no Trabalho. E a rua tem um papel fundamental como o espaço de um  ritual de passagem entre uma identidade e a outra.

Posso propor uma imagem. A pessoa sai de Casa, onde é um pai ou mãe dedicada, é um exemplo de vida para seus filhos e companheira ou companheiro. É uma liderança, é uma referência.

Mas quem chega no Trabalho? Imagine que nosso personagem trabalhe como faxineiro, igual a inúmeros que trabalham em empresas, que tenha um “trabalho subalterno”, para usar uma imagem de uma recente pesquisa no TRT/RJ. Há uma rotina a ser desempenhada em relação à qual ele não tem nenhuma autonomia. Sua voz sequer é ouvida e quando o é, é sempre de forma subalterna, quando não subserviente.

No final do dia ele chega em Casa. E quem chegou? O “subalterno”? Esperamos que não, certo? Quem chega em Casa é o pai, a mãe, o exemplo, o porto seguro.
Como acontece esta “mágica”? Gosto de pensar que é obra do “trajeto”, do deslocamento, do movimento pelo Espaço, pela Rua. O ritual de construção das identidades se processa no deslocamento em sentidos opostos. Da Casa, para a Rua e para o Trabalho. Do Trabalho, para a Rua e para a Casa.

A ausência destes rituais é certamente é o que é de mais “anormal” neste “novo” que, como disse, espero que seja fugaz e deixe poucas marcas. Mas avancemos um pouco mais. O exemplo que dei está situado em relações de trabalho que não se adequam a uma estratégia que tem se efetivado durante a quarentena, o tele trabalho, ou o trabalho em casa. Mas que têm sido saudados como elementos de um possível “novo normal”.

Vejamos um outro exemplo. Posso dar um exemplo pessoal. Trabalhei em uma usina siderúrgica, situada a duas horas de ônibus da zona sul do Rio de Janeiro. Havia diversas áreas chefiadas por engenheiros e eu tinha que lidar com todos eles. O chefe da área estratégica da empresa, a aciaria, responsável pelos fornos que produziam o aço, era de longe a pessoa mais intratável. No trajeto não falava com ninguém e, ao longo da jornada de trabalho, não socializava com os colegas em nenhum momento. A relações estratificadas eram a tônica do seu comportamento na empresa. Anos depois o encontrei em um pub em Ipanema. Veio me cumprimentar alegre, afetivo como nunca havia feito. Conversamos bastante e ele me disse que seu comportamento na empresa era daquela forma, porque era o que se esperava dele e ele tinha planos de crescer na empresa. Até que cansou do personagem e mudou de emprego. Era outra pessoa, e estava muito mais feliz!

Com o tempo entendi que o trajeto de ida era fundamental para ele e para todos nós construirmos nossas identidades funcionais no padrão que a empresa esperava. O trajeto de volta era fundamental para a desconstrução respectiva.

O que a pandemia fez? Eliminou esse ritual. Eu, o professor, estou em Casa, dando aula, pesquisando, trabalhando!

E “quem” trabalha? “Quem” está em Casa? Como consigo exercer estes dois papéis concomitantemente?

A resposta pode estar, como disse, em uma ameaça maior, lá fora. O vírus Covid-19 está na rua,  no trajeto! Assim, enquanto esse inimigo estiver lá, aceito esta supressão. Ponho o ritual, não a mim, em uma condição liminar, mesmo sendo ele um ritual de passagem.
Mas isso é bom? Certamente não. E espero que passe logo.
Mas, para concluir, não quero me colocar na posição de quem defende o “velho normal”, não, longe disso.

Mas...

Quero defender que a reflexão sobre as relações de trabalho inclua a reflexão sobre os processos de construção / desconstrução das identidades domésticas e profissionais.
Se o mundo do trabalho pode invadir o mundo da casa, por conta da pandemia, será que o mundo da casa, com outros tipos de relações interpessoais, não pode ser levado para o mundo do trabalho?

Se o ritual do deslocamento participa do processo de construção e desconstrução, ou reconstrução, de identidades pessoais, ele não pode ser um vetor de uma nova sociabilidade que torne mais equânime as relações tanto na casa quanto no mundo do trabalho?

 
 
 

Reproduzimos aqui o artigo do sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo,  professor da PUC-RS e pesquisador vinculado ao INCT / INEAC, publicado no site A TERRA REDONDA - https://aterraeredonda.com.br/raymundo-faoro-um-pensador-da -democracia / , em  resposta ao artigo de Leonardo Avritzer . Confira abaixo o artigo:

 

Por  RODRIGO GHIRINGHELLI DE AZEVEDO *

Resposta ao artigo de Leonardo Avritzer.

Publiquei no blog  Faces da Violência , do jornal  Folha de São Paulo , artigo onde apresento três vertentes que considero relevantes nenhum debate a respeito da Operação Lava Jato no campo das Ciências Sociais, centrando minha análise na posição expressa por Leonardo Avritzer, que sustenta que por trás dos atropelos processuais e da atuação midiática de seus usuários seria uma visão pró-mercado e punitivista, inspirada pela obra de Raymundo Faoro.

Avritzer respondeu ao meu artigo no site  A Terra é Redonda  ( O legado de Raymundo Faoro ). Considero relevante discutir a obra de Faoro e sua atualidade, por isso apresento aqui a tréplica, dando seguimento ao debate. Mas, infelizmente, antes de entrar no que realmente interessa, é preciso limpar o terreno sobre questões preliminares por Avritzer. Talvez fruto de uma leitura apressada do artigo, o professor mineiro inicia dois argumentos que não tem base no que escrevi.

Avritzer afirma que o critico “em primeiro lugar, por desrespeitar os clássicos”. E como decorrência me vincula à “muito bem conceituada tradição de ensaísmo laudatório no Brasil, que tenta passar por ciências sociais”. Qualquer leitor mais cuidadoso vai perceber que em momento algum minha crítica esteve dirigida ao “desrespeito aos clássicos”, o que seria no mínimo ridículo. E dessa leitura do que não está escrito querer me vincular a uma tradição laudatória é forma retórica de desqualificar o interlocutor, sem discutir seus argumentos. Um estilo argumentativo que não contribui para qualificar o debate sobre o conteúdo do que se discute, mas muito em voga na era da pós-verdade. Proponho retomarmos o debate de ideias,

Ainda mais grave, ao ler o nome de Joaquim Falcão no meu artigo, Avritzer passa a considerar que, uma vez que ele está citado, automaticamente eu avalizaria suas opiniões sobre uma Operação. Chega a afirmar que seria “esse corporativismo de um judiciário que despreza a democracia e o Estado de direito, que Ghiringhelli e Falcão defendem”. Para em seguida afirmar que eu estaria entre os que sustentam “práticas liberais em conversas de bar e artigos na imprensa, mas se eximem de sustentar o direito de defesa e o devido processo legal ou uma ascensão social pela via educacional”. Quanto à primeira afirmação, qualquer leitor mais atento perceberia que minha referência a Falcão, assim como a Cláudio Beato, foi em sentido crítico à sua abordagem, em seguida, o que chamei de “uma outra chave de leitura”, habilitação, entre outros, por Roberto Kant de Lima e Pedro Heitor Barros Geraldo (Jota, 01.03.21), e por mim mesmo e Arthur Costa (Faces da Violência, 01.04.2021). Quanto à segunda, me permito não responder, já que considero um ataque sem qualquer fundamento, como qualquer um que já tenho lido o que escrevi sobre uma Operação Lava Jato pode testemunhar.

Fosse eu um representante do ensaísmo laudatório, e um defensor dos padrões procedimentais da Lava Jato, tudo estaria resolvido, Faoro estava condenado e a querela estava encerrada. É preciso reconhecer que não é assim. O subtítulo do artigo de Avritzer faz referência à “academia cordial” (trazendo à baila outro de nossos intérpretes do Brasil). Avritzer não esclarece o que quer dizer com isso, mas tenho para mim que o que caracteriza uma “academia cordial” é difícil em realizar um debate público, franco e honesto, entre pares, quando a divergência é tomada como ataque pessoal, e o resultado é sempre a tentativa de desqualificar o adversário, com argumentos  ad ominem . Deixemos de lado essa “cordialidade”, e façamos o debate de conteúdo, que é o que interessa.

No conteúdo, Avritzer procura fundamentalar (agora sim) sua “tese” sobre a obra de Faoro. Em sintéticos, o Avritzer questiona a permanência do patrimonialismo e do estamento burocrático parajados na origem do Estado português, e sua transposição para o Brasil Imperial. Aponta um equívoco fundante na análise de Faoro sobre independência e Império, porque segundo ele Faoro trata fazendeiros escravistas como liberais. Mas ao citar Faoro, fica claro que o que este afirma é que há uma contradição entre o monarca absolutista e os privados dos fazendeiros, o que implica em um “impulso liberal, associado à fazenda e às unidades locais de poder”. O próprio Faoro esclarece que é muito menos um ideal liberal do que o interesse particularista de ricos e poderosos fazendeiros em reduzir o poder do rei,

Dessa e de outras interpretações no mínimo apressadas, de recortes da obra de Faoro, Avritzer tira como consequência que ele teria inaugurado um liberalismo simplificado e defendido por não liberais, envolvendo apenas a rejeição do Estado. E acrescenta que o autor de Os Donos do Poder identifica liberalismo com privatismo, sem igualdade civil em relação às mulheres, ao voto e às relações de trabalho. Tanto a obra de Faoro quanto sua trajetória política contrariam a tese, mas para sustentá-la em suas ações, Avritzer acusa Faoro de ter colocado “a OAB em 10 diferentes lugares da Constituição, abrindo espaço para um corporativismo jurídico e para estruturas de proteção interpares que vemos todos os dias e que geram distorções no processo penal ”. Como Faoro fez isso, tendo sido presidente da OAB apenas no período de 1977 a 1979, Avritzer não esclarece. Como às referências à OAB na Constituição distorce o processo penal, também não fica claro (embora seja um debate necessário). Mas são argumentação para desqualificar o autor atacado, e não a sua obra.

A argumentação de Avritzer é de fato muito tênue para dar conta de uma obra tão complexa e tão influente no debate sobre o Estado brasileiro, suas origens e processo histórico. Outros já o fizeram com mais competência, entre eles Juarez Guimarães, citado por mim no artigo anterior. Mas faço referência aqui a um outro artigo, de Fábio Konder Comparato (Raymundo Faoro Historiador, 2003). Lembrando que desde o início “a interpretação que Faoro deu da História do Brasil irritou profundamente a crítica marxista, pois tornava dispensável o recurso metodológico ao esquema da luta de classes”, Comparato mostra que, para Faoro, “a sociedade brasileira – tal como a portuguesa, de resto – foi tradicionalmente moldada por um estamento patrimonialista, formado, primeiro, pelos altos funcionários da Coroa, e depois pelo grupo funcional que sempre cercou o Chefe de Estado, no período republicano. Ao contrário do que se disse erroneamente em crítica a essa interpretação, o estamento funcional governante, posto em evidência por Faoro, nunca correspondeu àquela burocracia moderna, organizada em carreira administrativa, e cujos integrantes agem segundo padrões bem assentados de legalidade e racionalidade. Não se trata, pois, daquele estamento de funcionários públicos encontrável nas situações de “poderio legal com quadro administrativo burocrático” da classificação weberiana, mas de um grupo estamental correspondente ao tipo tradicional de dominação política, em que o poder não é uma função pública, mas sim objeto de apropriação privada”.

Ou seja, em Raymundo Faoro, a história brasileira não é examinada como simples sucessão de lutas de classes, ou de ajustes e desajustes entre grupos sociais. Ele introduz as noções de estamento, casta e classe social de modo inovador, jogando luz sobre os diversos aspectos de nossa formação, em que nossa ‘modernidade’ aparece amarrada em formas tradicionais de organização social e mental: uma cultura estamental-oligárquica e de substrato escravista que ainda comanda o presente.

Fazendo uma utilização original de conceitos weberianos, Faoro compartilha com ele a preocupação com a configuração e o caminho seguido por suas respectivas sociedades nacionais, a constituição de atores políticos relevantes e capazes de dirigirem a sociedade e o contraste entre rigidez e plasticidade das relações sociais. Mas como afirma o próprio Faoro, no prefácio à 2ª edição de Os Donos do Poder (1973), “advirta-se que este livro não segue, apesar de seu próximo parentesco, a linha de pensamento de Max Weber. Não raro, as sugestões weberianas seguem outro rumo, com novo conteúdo e diverso colorido. De outro lado, o ensaio se afasta do marxismo ortodoxo, sobretudo ao sustentar a autonomia de uma camada de poder, não diluída numa infraestrutura esquemática, que daria conteúdo econômico a fatores de outra índole”. Voltando a Guimarães (Raymundo Faoro, pensador da liberdade – 2009), é possível afirmar que “em Faoro, a crítica ao Estado patrimonialista não se faz a partir de um paradigma elitista de democracia, que se encontra em Weber, mas a partir de uma lógica de universalização de direitos e deveres. Isto é, há uma tensão permanente entre seu viés analítico e seu horizonte normativo.”

Para Faoro, a Dinastia de Avis, constituída em 1385 para dar início ao Estado português, representa uma simbiose entre os interesses da realeza e do comércio e constitui um poder estatal centralizado, com base econômica na propriedade fundiária, representando uma “modernidade precoce”, cuja persistência acaba sendo fatal, pois se desenvolve economicamente como capitalismo politicamente orientado, forma patrimonialista de organização do poder. Na linha de Weber, o que Faoro quer frisar com a noção de capitalismo politicamente orientado é um tipo de empreendimento mercantil e de lucro que cresce não na formalização e impessoalização das regras de concorrência, produção, comércio e distribuição, mas através do privilégio, do acesso favorecido, da renda privadamente incorporada e do ônus absorvido pelo Estado. Qualquer semelhança com o Brasil contemporâneo não é mera coincidência.

Sobre o estamento burocrático, é Gabriel Cohn quem nos alerta que, “embora comerciantes e financistas tivessem se beneficiado, um novo ator emergiu para ocupar posição vantajosa na estrutura social e de poder que se constituía: o dos peritos nas leis e nas técnicas de mando. Associados num grupo que se revelava indispensável ao governo do rei-proprietário, seus integrantes assentaram as bases para a moldagem de um ente social capaz de se reproduzir indefinidamente, mediante a aplicação de um princípio de aglutinação interna e diferenciação externa consoante uma concepção da honra associada ao pertencimento ao grupo. Temos nisso um caso daquilo que Faoro, seguindo Weber, denomina estamento”. (Gabriel Cohn, 2008, p. 4)

Assumindo caráter burocrático, com a incorporação de traços de um órgão voltado para a gestão, é isso que lhe garante a relativa independência da sociedade, pela qual adquire poder sobre ela, atuando, fundamentalmente, no interesse de sua própria perpetuação. Como configuração social específica que recobre a sociedade como uma carapaça e não permite o surgimento de antagonismos, a plena definição e expressão dos atores sociais fundamentais é abafada pelo estamento burocrático, que não se converte em classe, mas bloqueia a emergência da classe burguesa liberal empreendedora. Nesse sentido, Faoro interpreta a ditadura militar como uma nova etapa de fortalecimento e perpetuação do estamento burocrático, percebendo o militarismo como expressão do estamento burocrático e garantindo o monopólio do poder político para a distribuição de cargos.

Já no final dos anos 70 Faoro vê em Lula e no surgimento do novo sindicalismo uma perspectiva de modernização e ruptura com o estamento burocrático. Frente à histórica primazia ou o monopólio das iniciativas da sociedade política sobre a sociedade civil, Faoro logo percebe a novidade, ao colocar em cena novos atores políticos no campo institucional nos anos 80 e 90. Faoro morreu em 2003, o que nos impede de saber como interpretaria os governos do PT, na sua maior ou menor proximidade e compromisso com o estamento burocrático e com as práticas patrimonialistas de relação entre Estado e interesses privados.

Por fim: da obra de Faoro podemos buscar elementos analíticos importantes, assim como uma perspectiva política comprometida com a afirmação da democracia no Brasil. A necessidade de romper a carapaça do estamento burocrático via burguesia liberal (desde que se constitua como tal), assim como por meio da radicalização democrática, com a mobilização dos que historicamente estiveram de fora das estruturas de poder, como a nova classe trabalhadora em ascensão a partir dos anos 70. E dar destaque à dimensão cultural, das relações sociais vinculadas a uma moralidade estamental (essa sim muito esclarecedora para pensar as relações entre delegados, procuradores e juízes na Lava Jato). De todo modo, as questões apontadas em Os Donos do Poder e nos escritos de Faoro não permite uma leitura apressada, pois, como se percebe, ainda serve como referência importante a todo campo democrático, na perspectiva de romper com estruturas tradicionais de poder patrimonial e estamental que teimam em se reproduzir e perpetuar.

* Rodrigo Ghiringhelli de Azevedosociólogo, é professor da PUC-RS.

 

Reproduzimos aqui o artigo "A Operação Lava Jato e as Ciências Sociais", publicado na Folha de São Paulo (https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/05/04/a-operacao-lava-jato-e-as-ciencias-sociais/) pelo  Sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor da Escola de Direito da PUCRS e pesquisador vinculado ao INCT/INEAC. 

 

A Operação Lava Jato e as Ciências Sociais

A essa altura, já não se sabe mais o que é crítica à obra de Faoro, o que é crítica às palavras de Barroso, ou à ação dos integrantes da Lava Jato. Ou o que é pura e simplesmente uma tese sem pé nem cabeça, lançada de forma leviana, para aproveitar a debacle da Lava Jato para acertar contas com um dos grandes intérpretes do Brasil

Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo*

A importância da Operação Lava Jato para os destinos políticos do país, assim como para o funcionamento da justiça penal e o combate à corrupção, tem dado margem a muitas publicações, não apenas no campo do processo penal, mas também no das ciências sociais. A partir do reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, da incompetência do juízo de Curitiba para julgar os processos envolvendo o ex-presidente Lula, e do reconhecimento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro para o julgamento do ex-presidente, uma nova leva de artigos tem sido publicados, representando estas diferentes e muitas vezes conflitantes interpretações sobre a operação, seu final melancólico e seu significado.

Entre seus defensores, críticos das recentes decisões do Supremo, se encontra, em lugar de destaque, o jurista e sociólogo do direito Joaquim Falcão. Em recente artigo publicado no Estadão (23.04.2021 – O que o STF não respondeu ao declarar Moro suspeito), fazendo coro ao voto do ministro Barroso, Falcão sustenta que as recentes decisões do STF são fruto de “vingança judicializada” contra os avanços do que considera um “direito processual sistêmico”. Segundo ele, não há estado democrático de direito sem um direito processual eficiente (para condenar, e não para garantir o exercício pleno do direito de defesa). Trata-se, portanto, de uma leitura que considera os métodos da Lava Jato adequados e necessários para alcançar os fins desejados.

Semelhante visão tem sido apresentada por Cláudio Beato, sociólogo e professor da UFMG, que em artigo publicado no O Globo (20.03.2021 – Os (des)caminhos da justiça criminal brasileira) contrapõe a perspectiva garantista, que “busca esgotar todos os ritos legais, dando amplo direito de defesa, a fim de minimizar erros ao longo do sistema”, a um outro modelo emergente, que buscaria, “ao contrário, a celeridade processual e o julgamento por evidências”. Sustentando que o caminho para a modernização da justiça para o combate à corrupção passa por essa segunda alternativa, promovida por “aguerridos membros do Ministério Público ou novas versões de algumas polícias estaduais e federais”, Beato critica o aparato legal defasado (sem dizer quais mudanças deveriam ocorrer, e sem considerar o grande número de reformas legais ocorridas a partir de 88). Beato reconhece que abusos foram cometidos (“ações arbitrárias”, “excessos”) e critica o ex-juiz e seus aliados no MP e na PF por “cometeram o erro primário de confundir-se com esse movimento político em ascensão” (o bolsonarismo). A derrota da Lava Jato seria fruto da mistura de ação judicial e interesses políticos, que levou seus protagonistas ao confronto com “uma curiosa congruência de interesses aparentemente opostos de direita e esquerda, para que, como sempre ocorreu, o braço da lei não alcance os poderosos”. Ou seja, não foram os abusos praticados, mas a inabilidade política dos seus operadores, que teria viabilizado a nova maioria no STF e o fim da operação.

Uma outra chave de leitura é aquela apresentada por pesquisadores vinculados ao Instituto Nacional de Estudos Comparados em Administração de Conflitos, entre os quais o professor Roberto Kant de Lima, para quem, historicamente, “a ética dos operadores do direito naturaliza a proximidade organizacional e social entre promotores e juízes sem se questionar sobre as razões inquisitoriais de sua organização”(JOTA, 05.03.21). Para Kant de Lima e Pedro Heitor Barros Geraldo, a mudança de regimes políticos ao longo da história do Brasil produziu uma transformação das finalidades das instituições judiciais, mas não necessariamente das práticas de tomada de decisão. O que caracteriza para estes autores o “espírito da Lava Jato” é a obsessão persecutória contra uma suposta e atávica corrupção “sistêmica” entre os políticos e empresários, que os procuradores buscavam demonstrar a todo custo. O “espírito da Lava Jato” encarnou em práticas conhecidas e naturalizadas pelos atores da justiça. A recorrente corroboração destas práticas, inclusive pelos órgãos correcionais, produziu um ambiente propício para o uso ilimitado dos poderes judiciários. Neste sentido, a Lava Jato seria a reiteração do modus operandi da justiça brasileira, inquisitorial e seletiva.

Na mesma linha, mas destacando a dimensão da inovação frente às permanências, destacamos, em artigo publicado no blog Faces da Violência, da Folha (Azevedo e Costa, 01.04.2021 – Lava Jato: Crônica de uma morte anunciada) que a Lava Jato, assim como outras operações e processos não tão midiáticos de combate à corrupção, foram a resultante de mudanças institucionais introduzidas a partir da CF de 88, que transformou a Polícia Federal em Polícia Judiciária, criou o Ministério Público Federal e a Justiça Federal. Ou seja, a CF 88 criou o Sistema de Justiça Criminal no âmbito federal. Juntamente com uma série de inovações legislativas em matéria penal e processual penal, concluímos que a Operação Lava Jato foi o resultado ambíguo de um processo de aperfeiçoamento institucional, distorcido pela ambição de seus operadores, de refundar o sistema político a partir de um processo judicial.

Uma nova interpretação veio à tona recentemente, em artigo publicado pelo cientista político Leonardo Avritzer no blog “A Cara da Democracia”, publicado pelo UOL (24.04.2021 – O fim da Lava Jato e o patético Barroso). Comemorando a decisão do STF, por 7 votos a 2, que reconheceu a suspeição de Sérgio Moro, Avritzer sustenta que a derrota da Lava Jato constituiria também a derrota de uma interpretação equivocada do Brasil, apresentada por Raymundo Faoro em sua obra “Os Donos do Poder”, lançada originalmente em 1959, que teria sido, segundo ele, “resgatada” pelos justiceiros de Curitiba. Para sustentar a responsabilidade de Faoro pela Lava Jato, Avritzer desqualifica a obra, acusando-a de reduzir os problemas do Brasil à corrupção, de realizar operações de “qualidade acadêmica duvidosa”, e de representar “o pior texto já escrito sobre a história do Império” (segundo “alguns”). Com base nesta argumentação (de qualidade acadêmica bastante duvidosa), Avritzer extrai a conclusão de que a Lava Jato poderia ser entendida como um “faorismo judicial”, caracterizado pelo ativismo judicial e o punitivismo seletivo. Sustenta, assim, que o verdadeiro projeto (de Faoro ou de seus “seguidores”?) seria “a destruição sistemática do Estado brasileiro”, e na falta de outro caminho teria pavimentado a militarização do governo conduzida por Bolsonaro. Avritzer vai além, sustentando que o “faorismo judicial” estaria disposto a deixar de lado quaisquer “arroubos ligados ao liberalismo”, como o direito de defesa, para destruir o “estamento burocrático”. Através, diga-se, de um braço do próprio estamento burocrático.

A essa altura, já não se sabe mais o que é crítica à obra de Faoro, o que é crítica às palavras de Barroso, ou à ação dos integrantes da Lava Jato. Ou o que é pura e simplesmente uma tese sem pé nem cabeça, lançada de forma leviana, para aproveitar a debacle da Lava Jato para acertar contas com um dos grandes intérpretes do Brasil. Não cabe aqui fazer a defesa da obra de Faoro, ou precisar os conceitos que ela apresenta, embora os ataques que vem sofrendo denotem a importância dessa discussão, já feita, e de forma brilhante, por um outro professor da UFMG, Juarez Guimarães, por ocasião da passagem dos 50 anos de “Os Donos do Poder” (Guimarães, 2009 – Raymundo Faoro, pensador da liberdade).

Basta aqui, seguindo os argumentos de Guimarães, lembrar que “o centro da narrativa de Faoro, sinal expressivo de sua importância na formação de nossa cultura política, é entender por que prevaleceu em nossa história, no chamado período monárquico ou no republicano, um Estado assentado em uma soberania não resultante de um contrato livre entre cidadãos”. Faoro encontra a explicação na formação patrimonialista estamental do Estado português, que no contexto particular da Independência do Brasil, promovida por membros da própria família real portuguesa, transmitiu-se como instância estruturadora da cultura política brasileira em formação, “cindindo e deformando a formação de uma cultura liberal de direitos e passando por vários processos históricos transformativos e adaptativos até a contemporaneidade”. Compreendendo a dimensão do autor e da obra, Guimarães reconhece que Faoro “foi o primeiro entre nós a construir uma narrativa de longa duração a partir do critério da liberdade política, entendida em sua chave republicana, como autogoverno de cidadãos autônomos”. Ou seja, o que pretende Faoro “é a crítica histórica do Estado fundado sem contrato social democrático, encerrado em uma lógica patrimonial, sem uma ordem simétrica de direitos e deveres, que se atualiza de forma permanente pela particularização arbitrária da sua ação política e pela privatização de suas funções econômicas. O que resulta dessa crítica não é propriamente a negação do Estado ou a sua ausência, mas a necessidade da democratização de seus fundamentos, uma ordem simétrica de direitos e deveres de cidadania e a afirmação de critérios universalistas de sua ação política econômica”.

A forma como os procuradores da Lava Jato, que já confundiram Hegel com Engels, interpretam e utilizam a obra de Faoro para legitimar suas ações, diz muito pouco sobre a obra de Faoro. Que um ministro do Supremo se utilize dos “Donos do Poder” para fundamentar seu consequencialismo, subvertendo os meios pelos fins do processo penal, diz muito sobre certa matriz autoritária de decisionismo jurídico, mas responsabilizar por isso um tribuno da liberdade e dos direitos e garantias fundamentais, inclusive em tempos obscuros, seria o mesmo que responsabilizar Cristo pela Santa Inquisição.

Mas, ainda com Guimarães, é importante lembrar que aquele que, na condição de presidente nacional da OAB, em discurso memorável, afirmou o princípio de que “o Estado não pode ser o inimigo da liberdade”, continua sendo uma referência central para que possamos compreender a longa duração dos processos históricos e os desafios colocados para a afirmação da democracia no Brasil. Não faremos isso acreditando que o clientelismo, o apadrinhamento, o direcionamento de recursos públicos de forma seletiva e pouco republicana, as rachadinhas e os caixas 2 para financiamento de campanhas eleitorais são um problema menor ou já superado. Muito menos desacreditando ou minimizando a importância dos mecanismos institucionais para o esclarecimento e a responsabilização criminal dos que pretendem perpetuar sinecuras e dinastias de poder político patrimonial.

Sociólogo, professor da Escola de Direito da PUCRS

 

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