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Claúdio Salles

Claúdio Salles

Apesar dos progressivos avanços científicos e das recentes mudanças na regulamentação em torno do uso medicinal da planta Cannabis sativa, ela continua sendo alvo de muito preconceito e estigmatização. Para grande parte da opinião pública, trata-se de um assunto polêmico, em relação ao qual dificilmente não se toma partido “contra ou a favor”, limitando o debate público sobre o tema.

Buscando criar um campo de diálogo alternativo, baseado no método científico de produção e no debate acadêmico, para além dessas polaridades, o professor do Departamento de Segurança Pública e das Pós-graduações em Justiça e Segurança, assim como de Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, Frederico Policarpo de Mendonça desenvolveu o projeto “A judicialização do acesso à maconha: uma análise dos pedidos de habeas corpus para o cultivo doméstico no estado do Rio de Janeiro”.

O projeto, que conta com a Bolsa Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, é fruto do desenvolvimento de uma extensa pesquisa sobre o tema, que vem sendo realizada pelo professor desde 2015, integrando as atividades do Núcleo de Pesquisa em Psicoativos e Cultura (PsicoCult), criado em 2019. De acordo com ele, “a proposta do projeto tem como objetivo concentrar a pesquisa na prática, cada vez mais presente no Brasil, de ações judiciais para garantir o direito constitucional à saúde, mas com o foco específico nas demandas legais pela maconha. A pesquisa está sendo realizada através do acompanhamento dos casos de pacientes e seus familiares que passaram a judicializar a demanda pelo acesso à maconha para fins terapêuticos através de pedidos de habeas corpus preventivo para o cultivo caseiro”.

Frederico Policarpo explica que algumas mudanças substanciais na regulamentação do uso da maconha foram iniciadas no Brasil a partir da década de 2010. Até então completamente proibidos, dois canabinoides da planta passaram a ser permitidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): o CBD, em 2015, e o THC, em 2016, para o tratamento de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Transtorno do Espectro Autista (TEA), dores crônicas, glaucoma, alzheimer, ansiedade, endometriose, entre outras doenças. A substância possui um efeito anti-inflamatório e de relaxamento muscular, assim como anticonvulsivo, antidepressivo e anti-hipertensivo, além de ser usada também como analgésico e no tratamento para aumentar o apetite. O professor explica que “de imediato, as mudanças na legislação facilitaram a vida dos pacientes que fazem tratamento com o óleo produzido a partir do extrato da planta. No entanto, a regulamentação ainda não avançou sobre a produção da matéria-prima, isto é, o cultivo da planta continua sendo proibido em solo nacional”.

Em razão dessa situação, atualmente o paciente tem como opções para ter acesso ao óleo a compra em farmácias, a importação direta ou através das poucas associações canábicas que conseguiram na justiça a autorização para distribuir o óleo aos associados. Segundo o professor, “essas opções são caras e o custo do tratamento é alto. É possível afirmar que o investimento mensal gira em torno de dois a cinco mil reais. É preciso ainda considerar que a maioria dos pacientes tem que lidar com condições de saúde complexas, que comprometem seu orçamento com outros tratamentos e medicamentos”, explica. 

Toda essa conjuntura favoreceu que os pacientes em tratamento com o óleo passassem a elaborar ações judiciais para diminuir os custos através de habeas corpus para a realização do cultivo doméstico. Frederico Policarpo assinala que “os tribunais de justiça em todo o país passaram a reconhecer e avalizar esses habeas corpus, com a justificativa de garantir o direito à saúde. Muitos desses pacientes se articularam nas chamadas ‘associações canábicas’, reunindo seus familiares, médicos, advogados, pesquisadores e ativistas, e passaram a judicializar o acesso à maconha. Atualmente, há no Brasil mais de dois mil pacientes que cultivam maconha em casa graças ao habeas corpus”.

Frederico Policarpo afirma ainda que “a pesquisa ajuda, por um lado, a fortalecer as demandas pelo direito ao acesso à maconha para fins terapêuticos e, por outro lado, contribui para que o aparato estatal compreenda melhor essas demandas e aprimore os meios de garantir o direito a esse acesso. Os pedidos de habeas corpus no cultivo caseiro propõem, enfim, um diálogo inovador com o modus operandi do sistema de justiça, fazendo com que o exercício do direito à saúde seja requerido pelo próprio indivíduo, o que contrasta com a sensibilidade jurídica brasileira, que efetiva direitos através do poder tutelar do Estado”, finaliza.

Autor: 
Terça, 02 Maio 2023 19:03

DEBATES - O Corpo Negro

O Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da UFF realiza, nessa terça feira, dia 2 de maio de 2023, ás 18:30h o debate : O Corpo Negro. A atividade contará com as participações de Dina Alves da Corpórea Companhia de Corpos. Também participarão as pesquisadoras  Isabela Mesquita Martim, Maria Luiza de Souza Allen, Betânia de Oliveira Almeida de Andrade e Juliana Sanches Ramos. A interlocução ficará a cargo de Ágatha Oliveira.

O LEMI transmite O EVENTO pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=Sa8MzK-jbLk

 

Terça, 25 Abril 2023 21:56

GINGA: Oficina e Aula Inaugural

Nessa quarta-feira, dia 26/4/23, teremos a oficina do Ginga e a aula inaugural do curso de extensão como parte do Abril Verde.  Vamos aprender juntos sobre o modo de vida nos terreiros, religiões de matriz africana e lutas antirracistas.

?? Inscreva-se no link abaixo e acompanhe a transmissão ao vivo no canal do Ginga no YouTube.

https://docs.google.com/forms/d/1YayQWFObowj8ZGHB89zORxT17kq-ReRJb-JSyKnMRUM/viewform?edit_requested=true&fbclid=IwAR2G382zEy48A8gTU1xdEIzDeHAQQ7imoI1z7DOeAi8IeLArHH7okbja4Yg

 

 Acontece, na próxima quinta-feira, dia 27 de abril de 2023, ás 14 horas,  a aula inaugural do PPGJS/UFF-2023.

Confira mais informações no cartaz abaixo.

O "Justas Conversas: diálogos entre a Antropologia, a Justiça e a Segurança" realiza nesta quinta-feira , dia 27 de abril de 2023,13h-13h50, o lançamento do livro UMA SOLUÇÃO EM BUSCA DE UM PROBLEMA: Repensando o enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil. O livro é publicado pelo IPEA e tem como autores Rodrigo Fracalossi de Moraes,  Mirian Alves de Souza, André de Mello e Souza e Flávia do Bonsucesso Teixeira. 

 

O livro apresenta os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo analisar os arranjos institucionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil. Este livro possui cinco capítulos. O capítulo 1 apresenta os conceitos, os métodos e as fontes utilizadas na pesquisa. Há uma discussão acerca do significado do termo tráfico de pessoas, das formas pelas quais o conceito é utilizado, e dos diferentes focos atribuídos ao problema, especialmente o foco sobre o tráfico de pessoas para fins sexuais e para o trabalho análogo à escravidão. Essa discussão é importante, pois ela moldou em grande medida as ações do Estado durante a elaboração e implementação das políticas antitráfico no Brasil. Este capítulo também faz uma análise crítica dos dados existentes sobre o tráfico de pessoas em parte da literatura e em publicações de organizações internacionais, enfatizando sua frequente precariedade, falta de confiabilidade e ausência de métodos transparentes de cálculo, bem como as dificuldades práticas de separar o fenômeno do tráfico de pessoas das finalidades às quais ele se destina. O capítulo 2 mostra como o Estado brasileiro se organiza para enfrentar o problema do tráfico de pessoas. A ênfase está nos marcos legais e arranjos institucionais criados desde 2006 – quando a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP), foi aprovada – e na ausência de um modelo lógico para a política de enfrentamento ao tráfico de pessoas no país. O capítulo 3 analisa como os dados sobre o tráfico de pessoas são gerados e difundidos no Brasil, destacando a sua precariedade. O capítulo 4 analisa como políticas contra o tráfico de pessoas foram implementadas no Brasil, enfatizando o papel de uma rede antitráfico formada por organizações internacionais, órgãos de Estado e grupos da sociedade civil, incluindo várias organizações de natureza religiosa. O capítulo 5 analisa o papel dos Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETPs), Comitês de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CETPs) ou órgãos/espaços equivalentes, destacando como os gestores estaduais enxergam o problema do tráfico de pessoas, assim como as diferenças e semelhanças existentes nas políticas antitráfico estaduais e nas perspectivas dos gestores. Por fim, a conclusão resume os principais achados da pesquisa e oferece um conjunto de recomendações a gestores e autoridades públicos.

O "Justas Conversas: diálogos entre a Antropologia, a Justiça e a Segurança", com o lançamento do livro UMA SOLUÇÃO EM BUSCA DE UM PROBLEMA: Repensando o enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil,  será transmitido, ás 13h, do dia 27/4/23, pelo LEMI - Laboratório Estúdio Multimídia do INCT INEAC , no canal de Youtube do INCT INEAC : https://www.youtube.com/watch?v=977HufgJmG8

 

O Programa de Pós-graduação em Justiça e Segurança realiza, nessa quinta-feira, dia 27/04/2023, às 14h,  a defesa da dissertação de mestrado de Antonio Claudio Ribeiro da Costa, intitulada Vamos sair loucas: uma etnografia sobre estratégias de mobilidade de travestis brasileiras trabalhadoras do sexo a partir de Amsterdã.

Estarão na banca examinadora as professora: Mirian Alves de Souza (PPGJS/UFF), orientadora; Ana Paula da Silva (UFF) e Flávia do Bonsucesso Teixeira (UFU) e como membros suplentes os(as) professores(as) doutores(as): Fabio Reis Mota – suplente interno e Soraya Simões – suplente externo.

Data e horário: 27/04/2023, às 14h

Presencial no endereço: Rua José Clemente, 73, 9º andar, Centro, Niterói - Lemi InEAC
Transmissão ao vivo: https://www.youtube.com/watch?v=1ollGvuog_4

 

Na quarta-feira, dia 03/05, às 14 horas acontecerá no LEMI - Laboratório Estúdio Multimídia do INCT INEAC a Roda de Conversa I do Podcast “Diálogos e Conflitos: Pesquisas Escolares”. A atividade será transmitida pelo canal Youtube do InEAC. Para assistir acesse o lonk https://www.youtube.com/watch?v=ITWq8ctPYHY .

 

Compartilhamos, aqui no site do INCT INEAC,  a Programaçäo do Colóquio Affects, épistémologies et conflits: Lectures du monde contemporain promovido pela Université Lyon 2 e a Universidade Federal Fluminense. O evento que  ocorrerá nos dias 25, 26 et 27 abril 2023,  conta com apoio financeiro e logístico do LADEC/Lyon 2; Maison Sciences de l'Homme de Lyon St-Etienne; NUFEP/UFF; INCT/InEAC-UFF e Programa Capes PRINT/UFF (Projeto: Rede Internacional de Pesquisa sobre administração de conflitos em espaços públicos plurais: desigualdades, justiças e cidadanias em perspectiva comparada).

SEGUE ABAIXO O LINK QUE PERMITE AO PÚBLICO À DISTÂNCIA ACOMPANHAR O COLÓQUIO INTERNACIONAL DE ANTROPOLOGIA « AFFECTS, ÉPISTÉMOLOGIES ET CONFLITS : LECTURES DU MONDE CONTEMPORAIN » 

DATA: 25, 26 E 27 DE ABRIL/ 2023 

LOCAL: UNIVERSIDADE LUMIERE LYON 2

 

 

LINK DE ACESSO AO PÚBLICO

 

https://visio.univ-lyon2.fr/mar-vs7-csc-jxx

 

O nome da sala digital é: International Anthropology Colloquium - Affects, epistemologies and conflicts 

 

INTRUÇÖES 

 

1) É preferível utilizar o Google Chrome;

 

2) Clique no link acima, entre com o nome e depois clique em "rejoindre";

 

3) O moderador dará acesso à sala. Por favor, mantenha o seu microfone desligado de modo a não perturbar as palestras. É possível abrir a câmara e/ou ampliar a imagem clicando em “"grand écran"

 

3) Se desejar fazer uma pergunta/intervenção, utilize o ícone "levantar a mão". O moderador restaurará o som do/a ouvinte que poderá intervir diretamente.

 

 

ACESSE O PROGRAMA DO EVENTO no site https://www.colloqueinternationalanthropologie.com

 

OBS: LEMBRAMOS QUE O EVENTO OCORRE NA FRANÇA E QUE ATUALMENTE HÁ UMA DIFERENÇA DE 5 HORAS ENTRE BRASIL E FRANÇA.

 

O Colóquio é organizado pela Universidade Lumiere Lyon 2 (LADEC) e a Universidade Federal Fluminense (INCT-InEAC, NUFEP, PPGA e Programa CAPES PRINT da UFF) e ocorre presencialmente na Maison des Sciences de l’Homme de Lyon St Etienne/França. 

Faça abaixo download do PDF em anexo com a programação completa do evento.

 

 

O Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA UFF) e os Cursos de Graduação em Antropologia e em Ciências Sociais (ICHF UFF) realizam AULA INAUGURAL com o antropólogo Antonio Carlos de Souza Lima, nessa terça-feira, dia 11 de abril de 2023, terça-feira, às 14 horas no Auditório Simoni Lahud Guedes - Térreo do bloco P, ICHF.

 

 

Antonio Carlos de Souza Lima é Licenciado em História pelo ICHF/Dept. de História-Universidade Federal Fluminense (1979). Obteve os graus de Mestre (1985) e Doutor (1992) em Antropologia Social pelo PPGAS/Museu Nacional-Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

Atualmente é Professor Titular (aposentado) de Etnologia/Depto. de Antropologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, onde continua a atuar como colaborador voluntário no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, coordenando pesquisas, ministrando cursos e orientando teses e dissertações. Foi Coordenador do PPGAS/Museu Nacional (1994-1996) e seu Subcoordenador de Ensino (199-2001). Foi chefe do Departamento de antropologia do Museu Nacional (1994; 2002-2004; 2010-2013). Integrou o Conselho de Pós-Graduação e Pesquisa (CEPG) da UFRJ (1998-1999; 2014-2019).

É Bolsista de Produtividade em Pesquisa/CNPQ, Bolsista Cientistas do Nosso Estado/FAPERJ. Tem experiência nas áreas de Antropologia Política, atuando principalmente nos seguintes temas: Antropologia do Estado (indigenismo, política indigenista, povos indígenas e universidade; estudos sobre a administração pública e a cooperação técnica internacional) e História da Antropologia no Brasil (antropologia histórica dos museus e coleções etnológicas; relações indigenismo-antropologia; pensamento social brasileiro). 

Foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia (2015-2016), da qual também foi Vice-Presidente (2002-2004); Coordenador de sua Comissão de Assuntos Indígenas (2002-2004; 2006-2008); Diretor Regional (2008-2010; 2013-204). Foi coordenador do Fórum de Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas (01/2015-10/2016).   Tornou-se editor geral de Vibrant – Virtual Brazilian Anthropology, periódico online da ABA em janeiro de 2017. 

É co-coordenador do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade Cultura e Desenvolvimento (LACED - www.laced.etc.br)/Setor de Etnologia/Dept. de Antropologia-Museu Nacional/UFRJ. Participou e coordenou projetos de pesquisa e extensão com recursos de instituições como a Fundação Ford (FF) e a FINEP. Desde 2004 dedicou-se com recursos da FF a trabalhar em prol do acesso de indígenas ao ensino superior indígenas. Foi Bolseiro Luso-Afro-Brasileira do ano de 1998, ICS-UCL, PT, novembro/1998, Instituto de Ciências Sociais - Universidade Clássica de Lisboa, atuando na equipe da Drª Cristiana Bastos em missão a Goa na Índia. Esteve como professor visitante na École Normale Supérieure (11/1999) e no Watson Institute for International and Public Affairs/Brown University (10/2014). 

Coordena as coleções editoriais Abrindo Trilhas e, com Adriana Vianna, Antropologias. Coordena, juntamente com Carla Costa Teixeira, Laura Belén Navallo Coimbra e Alejandro Agudo Sanchiz o GT Antropologia do Estado e das Instituições no âmbito da Asociación Latinoamericana de Antropología. É Coordenador da Área de Antropologia e Arqueologia (Área nº 35) junto à Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES) para o período de 2018-2022.

 

 

O site do INCT INEAC disponibiliza aqui o artigo “Quem é o músico aí?”: Cultura como direito e o descompasso do sistema de justiça criminal no Brasil", de autoria da antropóloga Yolanda Gaffrée Ribeiro (UFF), pesquisadora vinculada ao  INCT/INEAC . O artigo foi publicado nessa sexta-feira, dia 07/4/2023 , no site Brasil 247 - https://www.brasil247.com/geral/quem-e-o-musico-ai-cultura-como-direito-e-o-descompasso-do-sistema-de-justica-criminal-no-brasil .

 

“Quem é o músico aí?”: Cultura como direito e o descompasso do sistema de justiça criminal no Brasil

O caso de Luiz Carlos ampliaram a discussão que pesquisadores do InEAC vêm sustentando sobre o reconhecimento de pessoas como meio de prova no procedimento processual penal

 

Por Yolanda Gaffrée Ribeiro, do INCT/InEAC* - A pergunta, “quem é o músico aí?”, foi feita por um agente penitenciário a procura de um jovem músico negro, morador da cidade de Niterói, à época com 23 anos, antes de avisá-lo, dentre os demais detentos, que ele seria liberado do presídio em que ficou cinco dias preso, sob a acusação de um roubo ocorrido três anos antes (Diário, Revista Piauí, 10/2020). No mês de setembro de 2020, o jovem estava próximo ao terminal rodoviário no centro de Niterói, junto a um grupo de amigos, quando foi interpelado por policiais que o levaram a delegacia e, chegando lá, avisaram que ele seria preso. O motivo? Um pedido de prisão aberto em seu nome que teve como base um reconhecimento fotográfico, feito em sede policial, no ano de 2017.      

 A prisão de Luiz Carlos Justino foi amplamente divulgada pela mídia escrita e televisa. No dia 05 de setembro de 2020, o Jornal da Record/R7 e o RJ TV, da Rede Globo, transmitiram a manifestação de familiares e amigos à frente do complexo prisional de Benfica, na cidade do Rio de Janeiro. Na ocasião, seus colegas do Espaço Cultural da Grota (ECG), projeto cultural do qual ele faz parte desde os seis anos de idade, organizaram o protesto que contestava “ao som de violinos, a prisão do jovem músico” (Jornal da Record, 05/09/2020). Além dessa manifestação, que contou com ampla cobertura da imprensa, atuaram no caso a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ e advogados particulares.  

 

 O caso de Luiz Carlos, assim como outros que ganharam destaque nos últimos anos, ampliaram a discussão que pesquisadores do InEAC vêm sustentando sobre o reconhecimento de pessoas como meio de prova no procedimento processual penal. Em decisão de outubro de 2020, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) declarou a invalidade do reconhecimento pessoal ou fotográfico por inobservância do procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal (6ª turma - HC Nº 598.886), o que até então era entendido pelo próprio STJ como mera irregularidade, ou seja, mesmo não acompanhando outras provas produzidas, o procedimento não desautoriza o recebimento da denúncia, a decretação de prisão preventiva e a condenação do réu.

 

 O STF também se posicionou em diferentes circunstâncias colocando em questão a validade do reconhecimento fotográfico, em razão de sua grande possibilidade de erro, argumento citado pelo próprio juiz André Nicollit em sua decisão que concedeu o alvará de soltura ao músico (TJ/RJ, 05/09/20). Em 2021, o CNJ criou um grupo de trabalho com o objetivo de propor regulamentação face ao reconhecimento de pessoas em processos criminais (Portaria CNJ n. 209/2021) e, em dezembro de 2022, emitiu uma resolução estabelecendo diretrizes para a realização do reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais (Resolução CNJ n. 484, DE 19/12/2022).  

 O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia se pronunciado em uma situação envolvendo o nome de Luiz Carlos, quando ele sofreu uma segunda detenção, no ano de 2022. Nessa circunstância, o pedido de prisão anterior constava em aberto, a despeito do músico ter sido absolvido do processo judicial, em setembro de 2021. Em nota, o CNJ disse estar apurando o motivo pelo qual o mandado de prisão permaneceu ativo em seu Banco Nacional de Monitoramento1. Nessa ocasião, ao menos, o músico foi liberado após prestar esclarecimentos na delegacia de polícia.  

 

 Mais uma vez, a mídia escrita e televisiva deu destaque ao acontecimento. Uma das reportagens do Caderno Rio/O Globo, mencionou que a segunda detenção ocorreu mesmo depois de o músico ter sido absolvido do processo judicial, decorrente de uma primeira “prisão injusta” (O Globo 24/08/2022). Em boa parte dos noticiários, o jovem músico aparece com o seu instrumento de trabalho: o violoncelo. A reportagem da revista Piauí, mencionada anteriormente, apresenta-o, inclusive, como “O violoncelista inocente que ficou cinco dias preso”2.  

 

 Seja na narrativa construída pela imprensa, mas que também se soma aos argumentos de caráter propriamente jurídicos que embasam a decisão do juiz ao revogar a prisão preventiva de Luiz Carlos, é possível observar uma ênfase dada ao status profissional e cultural do jovem músico. Ao questionar, por exemplo, a fragilidade do reconhecimento fotográfico como único meio de produção de prova, esse mesmo juiz indaga: “por que um jovem negro, violoncelista, que nunca teve passagem pela polícia, inspiraria ‘desconfiança’ para constar em um álbum?”. Mais ainda: “aduz que foi preso com seus instrumentos musicais, comprovando sobejamente tratar-se de músico, violoncelista, que atua intensamente no Município de Niterói” (TJ/RJ, 05/09/20).

 A formação musical de Luiz Carlos, e sua própria biografia, tem relação direta com o trabalho desenvolvido pelo Espaço Cultural da Grota (ECG), instituição que adquiriu reputação ao longo de seus anos de atuação, oferecendo aulas de música e formação musical (instrumental) a jovens moradores de uma comunidade de baixo poder aquisitivo, a Grota do Surucucu, localizada no bairro de São Francisco, em Niterói. Mais do que isso, tal como sugerido na apresentação do site do ECG, há uma relação direta entre a “construção de capacidades artísticas” de pessoas em “situação de vulnerabilidade” social, “ampliação da diversidade cultural”, “formação para prática cidadã” e a “garantia de direitos essenciais”3 (ECG, “quem somos”).  

 

 Nesse sentido, os termos mencionados no site do ECG acompanham um léxico discursivo que ganha força no Brasil nos últimos vinte anos, principalmente com a criação do Ministério da Cultura, em 1985. A noção da “cultura como direito” ou da “cidadania cultural” abre, então, um espaço abrangente de atuação do Estado no campo da cultura, reivindicando, ainda, a garantia de um conjunto mais amplo de direitos civis, políticos e sociais. Nos primeiros anos do ministro Gilberto Gil à frente da pasta, tem-se a criação de uma agenda política e de formas de gestão dentro do governo para o campo da cultura. É de 2004, por exemplo, a criação do Programa Cultura Viva, que tem como eixo central a criação dos Pontos de Cultura, cuja concepção propõe o reconhecimento de práticas culturais que já possuem uma inserção local, fortalecendo a noção da “cultura como direito” ou da “cidadania cultural” que desenvolvi em outra ocasião.   

 Em uma das reuniões do Fórum dos Pontos de Cultura de Niterói - das quais participei entre agosto de 2020 a setembro de 2021, colaborando com os moradores de um quilombo da cidade e realizando pesquisa de campo – a situação vivida pelo jovem Luiz Carlos foi mencionada como um exemplo bem-sucedido das políticas culturais inclusivas. Retomo, aqui, a fala de uma advogada, integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ que atuou na defesa do músico e integra, também, um dos Pontos de Cultura ali presentes.  Ela destaca que a participação do jovem em um “projeto cultural inclusivo” foi “decisivo para garantir a ele proteção institucional, jurídica e, por que não, ‘afetiva’”, além de ter facilitado a coleta de material para obter a sua absolvição, se comparado ao processo de outros jovens negros, igualmente presos em razão do reconhecimento fotográfico, em casos de crimes tipificados como roubo (caderno de campo, 2021).

 

 Desta forma, o caso do jovem músico nos oferece uma oportunidade para refletir criticamente acerca da atuação do Estado no campo da “cultura” e contrastá-la ao funcionamento do dito Sistema de Justiça Criminal. Sugerimos, então, a partir desta breve apresentação, mas também com base em estudos que têm sido produzidos há alguns anos no Brasil, que as rotinas e as práticas das instituições de Segurança Pública e Justiça Criminal podem ser entendidas em “descompasso” com a garantia de direitos de cidadania.

 Nesse sentido, argumentamos que, além da vinculação do jovem a um projeto cultural inclusivo, o reiterado destaque dado a suas qualidades formativas é capaz de operar um deslocamento, ou melhor, um movimento de “conversão moral” que o faz adquirir certa “substância moral de pessoa digna”, como sugere Luís Roberto Cardoso de Oliveira, também pesquisador do InEAC. Em uma sociedade hierarquizada, que reproduz não apenas a desigualdade social, mas também a desigualdade jurídica, como mostram as etnografias realizadas pelo InEAC (www.ineac.uff.br) os atributos profissionais e culturais e, adicionalmente, a erudição do jovem, são constantemente acionados, fazendo com que a ele seja atribuído um status social, cultural e profissional que tem efeitos significativos para os desdobramentos políticos, jurídicos e sociais elencados.

 

 Seja por parte da mídia que, invariavelmente, o apresenta com seu instrumento de trabalho, o violoncelo; seja na vocalização do agente penitenciário que o distingue entre os demais presos “quem é o músico aí?”, ou ainda, como aparece entre os argumentos que embasam a decisão do juiz ao revogar a sua prisão preventiva: “temos um jovem violoncelista, sem antecedentes, com amplos registros laborais, com formação em Música por anos, sendo dotado de sofisticados conhecimentos decorrentes de sua formação musical”, o que nos faz retornar a sua pergunta inicial: “por que inspiraria ‘desconfiança’ para constar em um álbum (de suspeitos)?”4, a qual implicitamente legitima e naturaliza a suspeição que deve cair sobre aqueles jovens negros que não possuam dotes intelectuais, culturais e artísticos equivalentes...  

 * Yolanda Gaffrée Ribeiro é pesquisadora do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT – InEAC - www.ineac.uff.br)

 

  1 CNJ, 26/08/2022. Disponível em https://www.cnj.jus.br/nota-sobre-o-caso-da-prisao-ilegal-do-musico-luiz-carlos-da-costa-justino

  2 Revista Piauí. DIÁRIO - “QUAL FACÇÃO, VAGABUNDO?” O violoncelista inocente que ficou cinco dias preso. Diário, Edição 169, revista Piauí, online, outubro 2020. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/qual-faccao-vagabundo/. Acesso em 11/01/2023.  
 

  3 Espaço Cultura da Grota (ECG), “Quem somos”. Disponível em: https://www.ecg.org.br/quem-somos. Acesso em 10/02/23
 

  4 TJ/RJ. Requerimento de revogação de prisão preventiva. Processo nº 0021082-75.2020.8.19.0004, 09/2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/soltura-musico-niteroi.pdf. Acesso em 11/01/2023.   
 

 

 

 

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