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Claúdio Salles

Claúdio Salles

O Seminário do Caju traz nessa sexta-feira, dia 18 de março, a antropóloga Flávia Medeiros (UFSC e INCT/INEAC) e o tema NOTAS SOBRE A BRUTALIDADE POLICIAL: raça, poder e direitos em perspectiva etnográfica . A atividade acontecerá pelo zoom.

Confira no cartaz abaixo o link do evento.

Flávia Medeiros é Professora Adjunta do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutora (2016) e Mestre (2012) em Antropologia, Bacharel e Licenciada (2009) em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (ICHF/UFF). Realizou período de mestrado - sanduíche (2011) na Universidad de Buenos Aires (UBA) e período de doutorado - sanduíche (2015-2016) na University of California, Hastings College of the Law (UC Hastings). Entre 2017 e 2019, atuou como pesquisadora de pós doutorado (PNPD/CAPES) vinculada ao Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Administração Institucional de Conflitos (NEPEAC/PROPPi/UFF), sede do Instituto Nacional de Tecnologia em Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC). Foi professora substituta do Departamento de Segurança Pública (DSP) do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (IAC/UFF). Atualmente é pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Antropologia do Direito e das Moralidades (GEPADIM) do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisa (NUFEP/PPGA/UFF). Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Teoria Antropológica, Antropologia Política e Antropologia do Direito, atuando principalmente nos seguintes temas: burocracias, conflitos, polícia, segurança pública e mortos É autora de "Matar o morto: uma etnografia do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro" (Eduff, 2016) e "Linhas de investigação: uma etnografia das técnicas e moralidades numa Divisão de Homicídios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro" (Autografia, 2018).

O Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (IAC/UFF) vem no dia de hoje, 14/3/2022, que marca os quatro anos do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, se somar aos milhões de vozes que clamam por justiça. As autoridades brasileiras devem à sociedade a elucidação desse crime bárbaro. A não explicitação acerca dos mandantes e motivos que levaram a eliminação física de ambos é uma ameaça permanente ao Estado Democrático de Direito. Este último construído com muitas lutas, após décadas em que ações e medidas próprias de um estado de exceção foram prevalentes entre nós. É responsabilidade dos governantes atuais não permitir que venhamos a viver novamente sob o manto cinzento da incerteza, ameaçando a vida e liberdade públicas. E, neste sentido, considerando o peso simbólico que esses assassinatos têm, seja há quatro anos, seja no dia de hoje, exigimos que seja feita a justiça. A elucidação do caso é necessária para sinalizar que o mesmo ocorrerá para inúmeras outras situações em que sujeitos, particularizando as vestes e ações do Estado, perpetraram contra a liberdade e a vida de pessoas, contrariando os preceitos legais e constitucionais vigentes. Justiça, é tudo o que exigimos.

 

Segunda, 14 Março 2022 21:54

CIDADANIA NO BRASIL: O longo caminho

O Programa de Pós Graduação da Universidade Veiga de Almeida realiza aula inaugural com a presença do historiador José Murilo de Carvalho, membro da Academia Brasileira de Letras - ABL , que desenvolverá o tema CIDADANIA NO BRASIL: O longo caminho.  O evento acontece no próximo dia 23 de março de 2022, ás 17h e contará também com as participações do antropólogo Roberto Kant de Lima, coordenador do INCT/INEAC e também professoro da UVA , além dele estarão como debatedores o professor Arno Wehling (PPGD/UVA) e Carlos Gustavo Direito (PPGD/UVA). Para assistir acesse https://www.youtube.com/watch?v=1u15FShi8R8

 

O Laboratório de Iniciação Acadêmica em Administração de Conflitos (LABIAC) convida a todos e todas para o ""Debate sobre Racismo Estrutural à luz do caso Moïse". Este  debate será em torno das palestras das professoras Flavia Medeiros (UFSC), intitulada "Violência e brutalidade policial em perspectiva comparada" - e de Wilma Pessoa (UFF) - intitulada "O caso Moïse: a intersecção entre racismo estrutural e xenofobia". Este é um evento acadêmico, destinado a pesquisadores, estudantes e demais interessados na área da segurança pública e administração de conflitos. A live acontece nessa quinta-feira,  10 de março, ás 19:00h . Para assistir acesse o link da página do INCT/INEAC no youtube: https://www.youtube.com/c/ineac

 

 

Nessa Quarta-Feira, dia 9 de março de 2022, acontecerá o primeiro "NO SOFÁ DO GEVAC" do ano.  Raphael de Almeida Silva irá bater um papo com Bruna Cinquini Ribeiro sobre sua dissertação “Pandemia e prisão - desencarceramento e atualização punitiva (2020-2021)”, com a mediação da Profaª Jacqueline Sinhoretto (INCT/INEAC) . A pesquisa analisou os efeitos da pandemia de Covid-19 no aparato prisional brasileiro.
O SOFÁ DO GEVAC acontece  nessa quarta-feira,  dia 9 de março, às 20h00 de Brasília no canal do youtube do GEVAC - https://www.facebook.com/ufscargevac
 
 

Acontece no próximo dia dia 11 de março de 2022, ás 17 horas a live de lançamento da 2a edição do livro : Viagem, Experiência e Memória. Narrativa de profissionais da Saúde Pública dos anos 1930, da professora Neiva Vieira da Cunha, professora Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ, pesquisadora do Laboratório de Etnografia Metropolitana/LeMetro/IFCS-UFRJ, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Periferias/NEsPE/FEBF-UERJ e Pesquisadora Associada ao Centre d'Etudes des Mouvements Sociaux/CEMS-EHESS.

A primeira edição do livro foi o resultado do prêmio da tese de doutorado pela ANPOCS, em 2004. E agora, diante dessa crise pandêmica que vivemos, a publicação ganha em importância. 
 
A live contará com a com a participação dos pesquisadores Marco Antonio da Silva Mello, de Luiz Antonio de Castro Santos, e  Felipe Berocan Veiga.
 
 
 
Neiva Vieira da Cunha
Professora Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ
Pesquisadora do Laboratório de Etnografia Metropolitana/LeMetro/IFCS-UFRJ
Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Periferias/NEsPE/FEBF-UERJ
Pesquisadora Associada ao Centre d'Etudes des Mouvements Sociaux/CEMS-EHESS
 
Luiz Antonio de Castro Santos
Professor Visitante Sênior da Universidade Estadual do Maranhão
 
Marco Antonio da Silva Mello
Coordenador do Laboratório de Etnografia Metropolitana/LeMetro/IFCS-UFRJ
Professor Associado do Departamento de Antropologia Cultural do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DAC/IFCS-UFRJ)
Professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense (PPGA/ICHF-UFF)
Pesquisador sênior do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC/CNPq)
 
Felipe Berocan Veiga
Departamento de Antropologia - GAP
Programa de Pós-Graduação em Antropologia - PPGA
Universidade Federal Fluminense - UFF
Pesquisador do Laboratório de Etnografia Metropolitana -
LeMetro/IFCS-UFRJ, do NUFEP-UFF e do INCT-InEAC
 

Viagem, Experiência e Memória. Narrativas de profissionais da Saúde Pública dos anos 1930

1ª Edição, 2005. 2a Edição, 2021

 

Este livro é o resultado da Tese de Doutorado de Neiva Vieira da Cunha, que recebeu o prêmio de melhor Tese na área de Antropologia, no concurso da Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais/ANPOCS, em 2004.

 

Ele traz uma importante contribuição aos estudos sobre os processos de construção social da memória coletiva sobre a conquista do direito à Saúde Pública no Brasil. Essa questão assume um caráter fundamental diante do negacionismo científico do atual governo diante da pandemia que nós vivemos nesse momento. Através de uma etnografia retrospectiva, que toma como quadro de análise as políticas de Saúde Pública no Brasil da década de 1930, este livro reconstrói a trajetória profissional de um grupo de médicos sanitaristas que participaram de campanhas de saúde implementadas no país a partir desse período para enfrentar as diversas doenças infecciosas que eram endêmicas em todo o interior do país naquele momento. As narrativas de vida dos representantes desse grupo de sanitaristas, que constituem o corpus etnográfico aqui analisado, nos indicam que suas ações foram acompanhadas de uma profunda reflexão sobre seu significado e seu impacto na sociedade brasileira. E para compreender a densidade de significado dessas narrativas e as categorias descritivas utilizadas por esses médicos sanitaristas para relatar sua experiência profissional, foi preciso retornar à personagens, acontecimentos e cenários do passado. Ao considerar a etnografia como uma obra de construção textual complexa, a perspectiva analítica aqui proposta restabelece o diálogo entre antropologia e história ao inscrever a diacronia e a sincronia como dimensões complementares da análise sócio-antropológica

 

Reproduzimos em nosso site o artigo  Os Usos da “Ciência” no Campo do Direito Brasileiro, escrito pelo sociólogo Michel Lobo Toledo Lima, pesquisador vinculado ao INCT/INEAC . O artigo foi publicado nessa quinta-feira, 3/3/2022, NO BLOG CIÊNCIA E MATEMÁTICA do O GLOBO : https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/os-usos-da-ciencia-no-campo-do-direito-brasileiro.html

 

Os Usos da “Ciência” no Campo do Direito Brasileiro

 

Michel Lobo Toledo Lima

Em 2020, em todo o Poder Judiciário, ingressaram 25,8 milhões de processos e foram baixados 27,9 milhões, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em seu Relatório Justiça em Números de 2021. Além disso, o relatório do projeto "Judicialização e Sociedade: ações para acesso à saúde pública de qualidade” do CNJ aponta para o aumento de novos processos judiciais com demandas nessa área que totalizaram 196.929 casos em 2020 contra 176.640 em 2019, um aumento de 11,5%.

 

Além disso, a conjuntura pandêmica (re)alocou vários campos do conhecimento, como a medicina, sobretudo a epidemiologia e a virologia, na agenda dos tribunais. As recentes orientações da OMS, a propagação de artigos científicos sobre a COVID-19 e as declarações cotidianas de acadêmicos sobre os efeitos e eficácia de distintas medidas para enfrentar o coronavírus se propagaram e foram invocadas em políticas públicas e decisões de representantes do executivo nas esferas municipais, estaduais e federal. Medidas que também foram e estão sendo levadas à apreciação do Judiciário, a exemplo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6.421, 6.422, 6.424, 6.425, 6.427, 6.428 e 6.431 que analisaram se atos de agentes públicos durante a pandemia observaram, ou não, critérios técnicos e “científicos”.

Um dos pontos que chamo a atenção nesse movimento da judicialização de fatos sociais durante a pandemia, refere-se às invocações e instrumentalizações da categoria “ciência” nas decisões judicias. Questão que não se restringe ao momento atual, mas que foi ainda mais explicitada pelo contexto pandêmico.

Tais fatos me remetem a algumas reflexões antes feitas aqui nesse Blog, em diversos escritos, por Bárbara Lupetti, Fernanda Duarte, Pedro Heitor, Rafael Iorio e Roberto Kant, isoladamente ou em conjunto, acerca da dogmática jurídica, produzida no contexto do direito brasileiro, que se refere ao dever ser, não sendo fruto de uma reflexão que atende aos padrões científicos, porque não se afiguram em teorias explicativas, ou interpretativas, da empiria, da experiência jurídica prática do direito. Essa sua não correspondência à prática, portanto, faz parte da maneira como o campo se organiza e se reproduz, formando um sistema de pensamento não científico, embora se auto refira como sendo uma ciência.

Há um abismo intransponível entre, por um lado, a dogmática (dever ser) e, por outro, a prática judiciária e jurídica (ser). Para preencher discursivamente essa lacuna, o campo do direito usa fragmentos de teorias de várias ciências, vagamente aproximadas e anacronicamente (des)contextualizadas. Isso gera idiossincrasias entre “teoria” e prática nesse campo que resultam em expressões nativas, naturalizadas pelos operadores e acadêmicos do direito, como “cada caso é um caso”; “cada cabeça, uma sentença”; “na prática a teoria é outra”; “depende”; “na perspectiva da melhor doutrina”, dentre outras que normalizam práticas e discursos portadores de paradoxos que advêm e resultam da e na incompreensão e imprevisibilidade das decisões judicias, resultando em insegurança jurídica e interpretações arbitrárias e particularizadas de como aplicar leis e de como consensualizar fatos.

Correlacionado a essas idiossincrasias acima, forma-se o saber e a produção acadêmica do direito no Brasil com ênfase nas doutrinas, com ausência de teoria do, ou para, o direito brasileiro, advinda da sua forte ligação com nosso dogmatismo e o interpretativismo legal, ainda fortemente internalizados nos cursos das faculdades, gerando pseudocontrovérsias epistemológicas sobre uma “ciência do direito”, informada pelos agentes do campo jurídico brasileiro como ciência do dever ser.

Muitas doutrinas jurídicas debatem o que “deveria ser” a ciência do direito, como uma espécie de realidade idealizada. Isso vai enfaticamente de encontro do que autores clássicos como Thomas Kuhn, Gaston Bachelard, Pierre Bourdieu e Pedro Demo, por exemplo, apontam acerca da formação do conhecimento científico, da função do dogma ou do habitus no campo científico, assim como da necessidade de abandonar a “ilusão naturalista” para a ruptura epistemológica de consensos provisórios no campo do conhecimento científico, algo necessário para perceber e superar obstáculos conceituais e metodológicos.

A ciência está sempre “pensando” em como reconduzir o seu fazer a partir de um paradigma a ser rompido. Ao contrário disso, o conhecimento jurídico brasileiro produz um saber abstrato, idealizado e imprevisível acerca de uma tida “realidade” que precisa ser recorrentemente decifrada por aqueles que têm autorização do campo para interpretá-la, a exemplo das correntes doutrinárias e dos juízes ao prolatarem decisões judiciais, atrelando saber, sem consensos, ao poder. Assim, não há dogmas a serem rompidos, mas dogmáticas a serem reproduzidas ampliadamente e reiteradamente (re)interpretadas.

Além disso, o direito brasileiro constrói suas decisões judiciais e seu saber jurídico especializado fundados na lógica do dissenso infinito, que permite – e muitas vezes obriga - que se instaurem intermináveis divergências entre as partes envolvidas, só interrompido esse processo de construção da verdade baseado no argumento de uma autoridade investida para tal.

Ilustrações dessas idiossincrasias, dissensos e aparentes paradoxos apontados aqui podem ser vistas em notícias jornalísticas cotidianas, mencionando decisões judiciais que invocaram a ciência como justificativa para seus posicionamentos, a exemplo da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 958.252/MG, de 2018, que menciona, entre outras coisas, que “a racionalidade que informa a figura da terceirização foi primeiramente teorizada por um dos maiores nomes da história das ciências econômicas, o ganhador do prêmio Nobel Ronald Coase” e que a “terceirização, segundo estudos empíricos criteriosos, longe de precarizar, reificar ou prejudicar os empregados, resulta em inegáveis benefícios aos trabalhadores em geral, como a redução do desemprego”, para construir e ratificar a tese jurídica que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. Mas, apesar disso, a pauta do STF prevê que em abril de 2022 haja o julgamento de embargos de declaração perante essa decisão, sobre a qual há 8.541 processos sobrestados, ou seja, apesar da decisão possuir efeito vinculante a princípio, a tese “cientificamente” construída enfrenta divergências variadas, inclusive, sem argumentações científicas, mas baseadas em correntes doutrinárias sobre o assunto no contexto pandêmico.

De forma semelhante, o acórdão da ADI 6.586 também invocou a ciência e usou a expressão “necessidade de observância de evidências científicas”, para arquitetar a tese de que “vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei (...)”. A resposta do STF à ADI 6341 seguiu no mesmo sentido no que tange às medidas “adotadas pelas autoridades governamentais no combate à pandemia de Covid-19 devem ser devidamente justificadas, obedecer aos critérios da Organização Mundial da Saúde e gozar de respaldo científico”.

Apesar das decisões acima, recentemente, o TRF da 2ª Região, por meio de um habeas corpus, permitiu que uma estudante do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, pudesse frequentar a escola sem ter sido vacinada contra a Covid-19. Na decisão consta que “com relação a obrigatoriedade da vacinação, entendo que esta não pode ser exigida, vista que tratam-se de vacinas ainda em fases de estudos e que necessitam de aprimoramento e de estudos de segurança amplamente comprovados e divulgados à população antes de se tornar de uso obrigatório”, invocando trechos de pesquisas para ratificar um entendimento a priori, mencionando que “é normal ter uma hipótese cientifica incorreta. Mas quando novos dados provam que está errado, você tem que se adaptar. Infelizmente, muitos líderes eleitos e funcionários de saúde pública têm sustentado por muito tempo a hipótese de que a imunidade natural oferece proteção não confiável contra covid-19 - uma alegação que está sendo rapidamente desmentida pela ciência”.

Uma última ilustração se dá com a concessão de liminar judicial por um juiz de São Paulo, pleiteada por donos de lotéricas da cidade de Franca para que os estabelecimentos funcionassem - apesar do decreto municipal 11.217, de março de 2021, de São Paulo, proibir a abertura desses comércios – e que teve trechos como “a ciência, idolatrada como uma deusa infalível, já foi e voltou várias vezes” e “sim, cientistas erram!”. Além disso, o juiz embasou o seu convencimento, com a afirmação que “no entendimento deste magistrado plantonista, o lockdown é inútil, como demonstra a experiência prática de países mais desenvolvidos que o Brasil, com índices de mortalidade maiores”.

Tais casos ilustram alguns dilemas e desafios do direito brasileiro em tentar incorporar evidências e dialogar com argumentos científicos, indicando o paradoxo de que muitos escritos jurídicos – como monografias, dissertações, teses, livros de doutrinas e peças processuais – buscam se travestir de uma aparência científica sem, entretanto, assumir o método científico para sua produção como tal. Evidencia-se a resistência e a dificuldade de implementação uniforme e eficaz de formas consensuais de administração de conflitos em nosso sistema de justiça, mesmo após sucessivas reformas legislativas. Estas, embora as autorizem, encontram obstáculos empíricos, indicativos de que a busca pelo consenso é indesejável e desafiadora do monopólio do poder de decidir instituído no campo jurídico que é orientado por opiniões autorizadas. A ciência, assim como outras categorias e conceitos invocados pelo direito, é instrumentalizada para justificar e dar selos de autenticidade aos entendimentos, muitas vezes divergentes, e até opostos entre si, sobre fatos semelhantes, nas decisões judiciais.

A reivindicação pelo reconhecimento de sua cientificidade, não é simples capricho do saber jurídico, mas uma proposição deste campo que quer (re)produzir, com exclusividade, os ideais interpretativos acerca das regras de conduta que devem reger um Estado Democrático de Direito, segundo distintos entendimentos. Essa seria uma forma embrionária do princípio do “livre convencimento motivado do juiz” que permite que os magistrados primeiro se convençam de algum entendimento decisório para depois justificar esse convencimento com doutrinas e/ou jurisprudência – e, eventualmente, com a “ciência” - a favor de seu entendimento e interpretação, fórmula que é ensinada na academia do direito - inicialmente nas graduações e ratificado nas pós-graduações - e replicado nas práticas judiciárias.

A questão é que o direito brasileiro intitula deliberadamente sua produção acadêmica e jurisprudencial, anticientífica, como “Ciência do Direito”, e faz usos disso. O status científico emprestaria às conclusões do saber jurídico, formuladas pela academia e pelos Tribunais, uma espécie de condição de verdade racional e comprovada, para se auto justificar. O custo disso é a permanência infinita da promoção sistemática e de distribuição desigual e imprevisível da Justiça, e em nome da “ciência”, colocando em debate, e evidenciando, os fundamentos argumentativamente frágeis que sustentam a legitimidade do poder coercitivo do nosso direito, sua arbitrariedade e a dificuldade para sua compreensão racional por parte dos jurisdicionados, que o mantém à distância das práticas da sociedade brasileira.

Michel Lobo Toledo Lima é pesquisador do INCT-InEAC/UFF

 

 

 

Com a presença do magnífico reitor da UFF Antônio Claudio Lucas da Nóbrega e de muitos representantes da comunidade acadêmica da UFF, professores, técnicos e alunos, aconteceu, nessa segunda-feira, dia 21/2,  as 11h, a cerimônia de posse da Direção do IAC e também de inauguração da primeira fase da reforma do prédio que abrigará o Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (IAC) e o NEPEAC, sede do INCT-InEAC.

A mesa do evento contou com as participações do antropólogo Lenin Pires e do cientista político Pedro Heitor Heraldo, reeleitos para a direção do IAC.  Além deles a presença do reitor Antônio Cláudio Lucas da Nóbrega , do vice-reitor professor Fábio Passos e do coordenador do INCT/INEAC antropólogo Roberto Kant de Lima . 

O evento foi transmitido pela UNITEVE e pode ser assistido pelo link https://www.youtube.com/watch?v=1-Vkb8jYG40

 

 

 

 

 

 

 

 

O site do INCT/INEAC disponibiliza aqui o artigo "Entre a prisão e a acusação: o mérito da e na audiência de custódia"de autoria dos pesquisadores Pedro Heitor Geraldo Barros e João Vitor Freitas Duarte Abreu , ambos vinculados ao INCT/INEAC.

 O artigo foi publicado no site https://www.jota.info/ . Para ler acesse o link https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/judiciario-e-sociedade/entre-a-prisao-e-a-acusacao-o-merito-da-e-na-audiencia-de-custodia-04022022

Ou leia abaixo:

JUDICIÁRIO E SOCIEDADE

Entre a prisão e a acusação: o mérito da e na audiência de custódia

Audiência funciona como um 1º encontro com o juiz, mas não é necessariamente uma revisão das práticas policiais

 

A partir dos dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Folha de S.Paulo noticiou o “desaparecimento” das audiências de custódia no Brasil, com a queda de 222 mil em 2019 para 66 mil em 2020 – até junho de 2021, apenas 19 mil foram realizadas. Cerca de 52,9% dessas 19 mil não cumprem os requisitos estabelecidos em resolução para realização por meio de videoconferência.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem consolidado a jurisprudência, de que a não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas depois da prisão em flagrante constitui irregularidade passível de ser sanada, que nem mesmo conduz à imediata soltura do custodiado” (Rcl. 49566 AgR).

A 1ª Turma do STF tem o mesmo entendimento: a “falta de audiência de custódia constitui irregularidade, não afastando a prisão preventiva, uma vez atendidos os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal e observados direitos e garantias versados na Constituição Federal” (HC 198.784, relator ministro Marco Aurélio).

 

Por fim, o ministro Nunes Marques, como relator no julgamento do HC194.074, argumentou que “a superveniência da realização da audiência de instrução e julgamento torna superada a alegação de ausência de audiência de custódia”.

Afinal qual o mérito na e da audiência de custódia? Como é possível compreender a não realização de uma audiência que, em tese, deveria supervisionar a legalidade da prisão em flagrante, a ocorrência de tortura ou maus tratos no momento da prisão e a necessidade da manutenção da prisão ou a concessão de medidas cautelares.

Na prática, é comum observar diferentes significados do “mérito”. O mais comum é a referência à instrução do processo. São empregados sob o mesmo jargão dos operadores “mérito dos fatos” presente nos textos normativos que regulamenta audiência de custódia. Aqui, a categoria mérito se refere ao que deve ser apreciado pelo juiz. Pretendemos contribuir para compreensão distinguindo as alegações sobre o mérito da prisão como objeto da audiência de custódia e mérito da acusação como responsabilidade do promotor e objeto do processo penal. Argumentamos que a forma de organização da Justiça brasileira orientada para as finalidades do processo impõe desafios de implementação dos “serviços” da justiça.

A orientação dos momentos de encontro da Justiça com os custodiados para as finalidades do processo tem implicações na condução da audiência, como incompreensões da interação em custodiados e operadores do direito sobre o que denominam “mérito”. Seja para impedir a fala dos custodiados (ABREU, 2019) ou utilizar desse argumento para o cerceamento manifestação da defesa na audiência de custódia (JESUS; TOLEDO; BANDEIRA, 2021).

Processo como forma de administração dos conflitos e a produção dos registros

Os autos do processo constituem-se no conjunto de registros para a decisão do juiz ordenados cronologicamente e de propriedade da jurisdição. A decisão final deve supostamente fazer referência apenas aos registros constantes nos autos. A organização da Justiça brasileira se subordina ao processo como forma de administração de conflitos. Essa forma contribui para incompreensão de dois aspectos relevantes para audiência de custódia.

O processo é uma maneira de acumular registros contra os acusados. Esta forma acaba confundindo os dois significados na audiência: o mérito da acusação (quem acusa é o promotor que é o objeto do processo penal) e o mérito da prisão (o objeto da audiência de custódia). Tanto a análise dos registros quanto uma apreciação do testemunho do custodiado são passíveis de serem apreciados ou descartados na decisão, em razão do mérito da acusação, que é antecipada formalmente por meio do Auto de Prisão em Flagrante (APF).

As audiências de custódia foram implantadas no sistema de Justiça brasileiro a partir do julgamento da ADPF 347, em 2015, como uma “observância obrigatória”. Posteriormente o CNJ editou a resolução nº 213 de 2015 estabelecendo parâmetros para sua realização. Em 2019, tornou-se lei em sentido estrito, mas sem o detalhamento do rito.

Sobre o “mérito”, suas restrições estão na Resolução n° 213/2015 do CNJ, que contém em seu artigo 8º, VII, que o magistrado deve “abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante”; e no §1º, que estabelece que o juiz deve “indeferir as perguntas relativas ao mérito dos fatos que possam constituir eventual imputação (…)”.

Essas medidas são vistas pelos operadores como cuidados necessários para a garantia dos direitos dos custodiados uma vez que essa é uma etapa entre o inquérito e a ação penal iniciada pelo recebimento da denúncia. Inevitavelmente, essa distinção pode ser ambígua e a audiência de custódia se torna parte do processo, uma vez que as audiências não funcionam para a explicitação do ritual de justiça, mas para a produção de registros para o juiz.

O referido artigo da Resolução n° 213/2015 demonstra uma preocupação com os registros que ela pode produzir. Por esta razão, a compreensão da função dos “autos” como potenciais acumuladores de registros a respeito do mérito da acusação é relevante.

O ‘mérito dos fatos’ entre a prisão e a acusação

Numa audiência de custódia, o custodiado aparentava ter cerca de 50 anos e estava com as mãos algemadas embaixo da mesa com a cabeça baixa. Atrás dele, estava o policial militar responsável pela segurança da sala de audiência. Ele foi preso por furtar uma peça de queijo de um supermercado dois dias antes.

O promotor opinou pela prisão preventiva. A juíza entendeu que a prisão não era proporcional e concedeu a liberdade provisória com aplicação de medidas cautelares: “Olha, [nome do custodiado], vou soltar, mas não era para soltar. Era um queijo, mas de 200 reais. Não quero te ver de novo aqui!”.

O processo foi distribuído em junho de 2017. Dias depois, o juiz que recebeu o processo na vara criminal onde aconteceria a instrução despachou informando que o indiciado havia sido beneficiado com a liberdade provisória por decisão em audiência de custódia e abriu “vista ao MP”. Os autos retornaram para o juiz no fim do mesmo mês, e o juiz decretou a prisão preventiva após o requerimento do MP.

Quase um ano depois, o processo terminava. Mesmo depois da decisão concedendo a liberdade provisória na audiência de custódia, ele permaneceu preso durante todo o processo. Ao final do processo, foi condenado a um ano de reclusão e dez dias multa no regime inicial semiaberto.

A audiência de custódia tem se caracterizado na organização da Justiça criminal como uma etapa presidida por um juiz de primeira instância. A revisão do mesmo ato pelo juiz natural, ou seja, aquele que instrui o processo e delibera sobre o mérito da acusação, sendo também um juiz de primeira instância, acaba criando, na prática, uma nova instância, sendo a unidade que realiza a audiência de custódia hierarquicamente inferior às varas criminais.

Nesse sentido, a 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), deferiu, em habeas corpus, que sem fato novo, o juiz natural não pode alterar a decisão do juiz da audiência de custódia que concedeu a liberdade ao acusado, pois ambos são da mesma instância. Segundo a relatora do HC: “A competência revisora da decisão prolatada pelo juiz de audiência de custódia é exclusiva do Tribunal de Justiça, sob pena de subversão da ordem jurídica (…)” (TJSP, 2018).

Este caso demonstra como o mérito da audiência de custódia não está bem definido para os operadores. O juiz natural, ao se manifestar sobre a recepção da ação penal na instrução, ensejou uma discussão sobre instância e jurisdição. O mesmo problema segue no argumento do ministro Nunes Marques ao orientar que “a superveniência da realização da audiência de instrução e julgamento torna superada a alegação de ausência de audiência de custódia”.

A categoria “mérito dos fatos” não colabora para distinguir a finalidade da audiência, pois os fatos podem se relacionar tanto a como a prisão foi realizada, quanto como o suposto crime praticado, embora seja este o significado pretendido normativamente. O registro do APF é parte dos depoimentos que foram “reduzidas a termo” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011) por uma das partes interessadas na acusação. Assim, na audiência de custódia a prisão não é representada por quem realmente a efetuou, mas sim pela autoridade que efetuou o registro da comunicação da prisão por meio do APF, que possui presunção de legalidade.

Nesse sentido, o mérito da acusação é provar com a proposição da ação penal a prática do crime pelo réu. No entanto, o mérito da acusação é antecipado pelo APF na audiência de custódia. A recente alteração legislativa que possibilita ao delegado de polícia requerer a prisão preventiva mesmo nos casos de flagrante tem sido observado como algo que pode substituir o pedido da acusação em audiência de custódia caso o juiz entenda que não pode decretar a prisão preventiva de ofício.

Estas práticas demonstram uma confusão dos papéis dos atores durante essa audiência. Na série Justiça e Pesquisa, os pesquisadores identificaram a forte unidade entre juízes e promotores tanto na condução das audiências, como pelas motivações decisórias, contribuindo para confusão dos papéis de acusadores e julgadores (AZEVEDO; SINHORETTO; LIMA, 2018).

O mérito da prisão é frequentemente negligenciado. São poucos registros de relaxamento de flagrante decorrente de inconsistências na análise formal dos documentos que compõem o APF, ou pela ocorrência de violência, tortura ou maus tratos no momento da prisão. Pelo contrário, os excessos da polícia continuam a produzir efeitos a favor da acusação, pois deixam de fazer parte dos registros. Essa prática é observada como uma forma de regulação da tortura de acordo com a queixa e posição social dos envolvidos (KANT DE LIMA, 1999).

Assim, esta audiência acaba funcionando como mais uma situação de reafirmação da suspeição sistemática; não só pesa em desfavor o registro do APF, mas os relatos sobre tortura dos cidadãos são desacreditados, na medida em que se soma ao processo uma decisão fortemente desfavorável que é a prisão.

Ao pensarmos em termos organizacionais, a confusão do mérito da prisão e da acusação é favorecida por esta forma de administrar conflitos pelos registros. Fazendo que a audiência de custódia funcione como um primeiro encontro com um juiz, mas não necessariamente uma revisão das práticas policiais durante as prisões.


ABREU, J. V. F. D. A custódia das audiências: uma análise das práticas decisórias na Central de Audiência de Custódia (CEAC) do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado—Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2019.

AZEVEDO, R. G. DE; SINHORETTO, J.; LIMA, R. S. DE. Audiência de Custódia, Prisão Provisória e Medidas Cautelares: Obstáculos Institucionais e Ideológicos à Efetivação da Liberdade como Regra: Justiça Pesquisa Direitos e Garantias Fundamentais. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2018.

CARDOSO DE OLIVEIRA, L. R. Direito Legal e insulto moral: Dilemas da cidadania no Brasil, Quebec e EUA. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.

JESUS, M. G. M. DE; TOLEDO, F. L.; BANDEIRA, A. L. V. DE V. MÉRITO SOB CUSTÓDIA: OS LIMITES DA MENÇÃO AOS FATOS DA PRISÃO DURANTE AS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA. Direito Público, v. 18, n. 99, 28 out. 2021.

KANT DE LIMA, R. Polícia, justiça e sociedade no Brasil: uma abordagem comparativa dos modelos de administração de conflitos no espaço público. Revista de Sociologia e Política, p. 23–38, nov. 1999.

 

PEDRO HEITOR BARROS GERALDO – Professor do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (InEAC-UFF), do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD), bolsista Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia do Direito.
JOÃO VITOR FREITAS DUARTE ABREU – Doutorando em Sociologia e Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Mestre em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense. Bacharel em Segurança Pública e Social pela UFF. Pesquisador vinculado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC) e ao Núcleo de Pesquisa em Sociologia do Direito (NSD)

 

Nessa segunda-feira, dia 21/2,  as 11h, acontecerá a cerimônia de posse da Direção do IAC e também de inauguração da primeira fase da reforma do prédio que abrigará o Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (IAC) e o NEPEAC, sede do nosso INCT-InEAC. A solenidade contará com a presença do reitor Antônio Cláudio Lucas da Nóbrega e do vice-reitor Fábio Passos. 

O evento será também transmitido pelo canal do InEAC e pela UFF TV, o que possibilitará o acompanhamento daqueles que se verem impossibilitados de participar, sobretudo na presente conjuntura sanitária. 

 

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