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Disponibilizamos em nosso site o artigo UNIVERSIDADE DA POLÍCIA OU POLÍCIA DA UNIVERSIDADE? escrito pela pesquisadora Páris Borges Barbosa (Policial rodoviária federal, mestre e doutoranda do PPGSD/UFF;  pesquisadora do INCT/InEAC e da Fundação Perseu Abramo e ativista da RENOSP LGBTQIA+) . O artigo foi publicado no site Fonte Segura (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). https://fontesegura.forumseguranca.org.br/universidade-da-policia-ou-policia-da-universidade/?utm_campaign=Fonte+Segura+167&utm_content=Universidade+da+Pol%C3%ADcia+ou+Pol%C3%ADcia+da+Universidade%3F+-+Fonte+Segura+%281%29&utm_medium=email&utm_source=EmailMarketing&utm_term=Fonte+Segura+-+edi%C3%A7%C3%A3o+167+-+cadastrados

Confira o artigo abaixo:

UNIVERSIDADE DA POLÍCIA OU POLÍCIA DA UNIVERSIDADE?

CHAMO A ATENÇÃO PARA QUE NÃO LIMITEMOS A CRÍTICA DOS ACONTECIMENTOS RECENTES ENVOLVENDO A PRF A UMA “MÁ GESTÃO”. SEJA UMA GESTÃO INCOMPETENTE OU MESMO PERVERSA, ELA SOMENTE CONSEGUIRÁ CAPTURAR UMA INSTITUIÇÃO QUANDO NÃO HOUVER MECANISMOS ADEQUADOS PARA IMPEDIR ESSA CAPTURA

Em 2019, por meio de uma mera alteração de nomenclatura, o Decreto nº 9.662 transformou a Academia Nacional da Polícia Rodoviária Federal (ANPRF) na Universidade Corporativa da Polícia Rodoviária Federal, ou, simplesmente, UniPRF. A autoproclamada universidade foi festejada pela alta gestão da PRF como um avanço na qualidade da formação e aperfeiçoamento dos policiais. Mas assim como uma cadeira não deixa de ser uma cadeira apenas porque passamos a chamá-la de mesa, a UniPRF também não experimentou mudanças ontológicas, em sua essência, apenas por trocar o letreiro que ostenta na entrada do prédio em que está sediada. Talvez esta afirmação não seja precisa. Afinal, ao longo dos últimos quatro anos, houve sim mudanças importantes nos métodos de ensino utilizados para formar e aperfeiçoar os policiais, no caso, retrocessos importantes.

A criação de uma Universidade dentro da estrutura organizacional de uma força policial é uma manifestação de fenômeno apontado por Renato Sérgio de Lima, no qual se tenta “reivindicar o monopólio policial do ensino, da pesquisa e da discussão sobre segurança pública.” Policiais que veem com desprezo e desconfiança a produção científica de conhecimento a respeito de sua área de atuação profissional ambicionam poder diplomar seus próprios “cientistas” com títulos de Mestres e Doutores e assim disputar a autoridade sobre o debate acerca da segurança pública. Em discursos proferidos pelo Diretor Geral da PRF, Silvinei Vasques, é possível escutá-lo dizer que: “Precisamos combater o discurso ideológico sobre segurança pública que vem das Universidades”; e que “Quem entende de segurança pública é o policial!”. Seguindo esse raciocínio do Diretor Geral, ouvimos com frequência nas salas de aula da UniPRF instrutores se referirem a uma enorme gama de cientistas que estudam fenômenos relacionados a mercados ilícitos, a violência, as relações sociais e institucionais, a seletividade policial entre outros temas como “especialistas em segurança pública”, expressão enunciada sempre em tom de ojeriza e expressões faciais de repulsa.

O que se viu acontecer de fato após a criação da UniPRF foi uma militarização do ensino. No currículo pedagógico, disciplinas como “direitos humanos”, “relações humanas” e mesmo “ética” foram totalmente suprimidas ou substituídas por algumas poucas palestras ofertadas na modalidade de ensino a distância. A supressão desses conteúdos foi justificada com o argumento de que estariam presentes de forma transdisciplinar. Porém, é suficiente acompanhar algumas aulas para notar que o próprio vocabulário dos instrutores denuncia o oposto. Termos reificados como “bandido”, “mala” e “vagabundo” circulam livremente, ditos também por discentes sem que haja problematização por parte dos docentes. Por outro lado, a disciplina “Noções de Comando e Controle” chama a atenção para a forma como ensina os alunos a marcharem em forma e se manterem alinhados em posição de sentido. A justificativa dada para a existência dessa disciplina é a necessidade do aluno aprender a ter “postura de policial” e “voz de comando”, que seria uma forma de controlar as impressões que seu corpo transmite. Acredito porém que é nos momentos de convívio entre as aulas que o processo de militarização do ensino fica mais evidente. Várias vezes no dia, o curso inteiro entra em formação para receber informações da coordenação. Os alunos estão sempre meticulosamente uniformizados, inclusive nos cabelos, raspados com máquina nos homens e presos com redes e coques nas mulheres. O deslocamento das turmas entre os locais de aula é feito sempre correndo em formação de tropa, entoando versos que são cantados pelo “xerife” e repetidos em uníssono pelos demais sobre honra, bravura, força, superação, orgulho, patriotismo, fé e outros valores. Falhas e gafes em relação aos procedimentos marciais são “pagas” com flexões de braço.

Apesar de se autointitular “Universidade”, a UniPRF pode, com ressalvas, ser definida hoje como uma Escola de Governo. Faço ressalvas, pois não existe uma lei ou decreto próprio que assim a defina e portanto seu status é sujeito a questionamento. Para garantir o reconhecimento da UniPRF como um instituto de Ciência e Tecnologia, chegou-se a propor o envio de uma comitiva de policiais uniformizados e armados para a porta do CNPq. A fim de alcançar o almejado reconhecimento do MEC, e atender ao princípio da indissociabilidade do ensino da pesquisa e da extensão, foi criada na UniPRF uma Divisão de Pesquisa Desenvolvimento e Inovação (DPDI) no final do ano de 2020, da qual fui chefe substituta. A nova divisão de pesquisa seria a responsável por publicar uma revista científica semestral, organizar grupos de pesquisa, planejar eventos acadêmicos como congressos e seminários, firmar parcerias com universidades públicas para a realização de pesquisas de interesse mútuo, entre outras atribuições semelhantes a de uma Pró-Reitoria de Pesquisa tal qual em uma Universidade Pública. Não era possível, contudo, contornar as contradições irreconciliáveis entre o desejo de controlar o debate sobre segurança pública e ter no seio da própria instituição uma divisão dedicada à legítima produção científica. A equipe editorial da revista científica logo percebeu que seu papel era somente teatral e que as decisões editoriais seriam tomadas pela Direção Geral e pela Coordenação da UniPRF. Assim, artigos de cientistas renomados nas áreas da Antropologia e da Saúde foram rejeitados e a revista inteira foi cancelada antes de sua primeira edição. A intenção era publicar apenas artigos de policiais. Da mesma forma, foram cancelados convites para palestrantes externos, que iriam participar de seminário na UniPRF, na véspera do evento, causando prejuízos aos cofres públicos com passagens aéreas não utilizadas. Um dos episódios mais explícitos da cooptação do discurso científico na UniPRF se deu quando o Coordenador Geral, ao ponderar sobre a autorização para executar uma pesquisa referente à saúde mental dos alunos, indagou desconfiado à equipe da DPDI o que se pretendia descobrir com aquilo, ao qual não coube outra resposta: somente realizando a pesquisa para saber!

Em que pese todo o exposto, chamo a atenção para que não limitemos a crítica dos acontecimentos recentes envolvendo a PRF a uma “má gestão”. Seja uma gestão incompetente ou mesmo perversa, ela somente conseguirá capturar uma instituição quando não há mecanismos adequados para impedir essa captura. No caso da UniPRF, ficou evidente que o seu desenho institucional concentrou poderes nas mãos da alta gestão, permitindo que pessoas estranhas aos campos do ensino e da pesquisa tomassem decisões de cunho científico e pedagógico. Talvez um modo de impedir que algo assim aconteça novamente seria elaborar para a UniPRF um regimento interno que garanta sua autonomia didático-científica e crie um Conselho de Ensino responsável por estabelecer diretrizes pedagógicas, deixando para o Coordenador ou Diretor da UniPRF apenas a gestão administrativa burocrática. Seria interessante reservar assentos nesse Conselho de Ensino  para docentes e pesquisadores externos à PRF, indicados por instituições dedicadas ao estudo da segurança pública, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

A distinção entre Instituição de Estado x Instituição de Governo vem sendo usada como chave de interpretação para explicar casos como o da PRF. Ao se declarar que a PRF é uma Instituição de Estado, espera-se que as suas práticas voltem às balizas republicanas. Contudo, assim como chamar uma cadeira de mesa não a torna uma mesa, a sedimentação de uma Instituição de Estado depende de mais do que a sua mera enunciação. Certamente serão necessárias modificações mais profundas do que aquelas advindas apenas da troca de gestores.

 

 

Republicamos aqui , do site Fonte Segura (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) , o artigo SEGURANÇA PÚBLICA: DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA 2023, escrito pelo sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor da Escola de Direito da PUCRS, e pela também socióloga Fernanda Bestetti de Vasconcellos. Socióloga, Coordenadora do PPG em Segurança Cidadã da UFRGS, ambos pesquisadoras vinculados ao INCT/INEAC.

SEGURANÇA PÚBLICA: DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA 2023

A virada do ano e a mudança de governo no Brasil nos levam a indagar o que temos pela frente, em matéria de segurança pública. Para tanto, em primeiro lugar é necessário reconhecer que os desafios são imensos para retomar um caminho de consolidação democrática e reformas estruturais nas instituições policiais.

A conexão entre redes informáticas, teorias conspiratórias, negacionismo, militarismo e ideologias supremacistas reconfigurou as mentalidades ou representações sociais no interior das polícias civis e militares, atualizando e relegitimando discursos e práticas de exercício arbitrário do poder e uso excessivo da força contra determinados grupos e perfis de cidadãos.

Como pano de fundo dessas nem tão novas correntes reacionárias dentro e fora das polícias, parece estar disseminada uma concepção de mundo segundo a qual as sociedades humanas devem ser regidas pela “lei do mais forte”, garantindo a sobrevivência dos mais aptos e daqueles que demonstram alguma utilidade e subserviência frente aos poderosos. Privilégios são naturalizados, como decorrentes desta hierarquia social, que precisaria ser resgatada frente aos ideais igualitaristas da modernidade liberal, que no fim das contas levariam inexoravelmente a sociedades “comunistas”, com a perda da “liberdade” para afirmar a supremacia de alguns sobre os demais.

No contexto da crise climática global, estas correntes tradicionalistas e reacionárias sustentam um modelo “Arca de Noé 2.0”, no qual haveria lugar apenas para os mais aptos. Em situações como a de pandemia de covid-19, foi possível identificar essa vertente em governos como o do Brasil, que tentou levar adiante uma proposta de “imunidade de rebanho”, tratando as mortes pela doença como decorrentes de comorbidades e fraquezas individuais e naturais, que não deveriam ser lamentadas, mas aceitas como inevitáveis.

No âmbito da segurança pública, o tradicionalismo reacionário sustenta políticas armamentistas, considerando que a disseminação de armas de fogo seria o caminho para a garantia da defesa pessoal e da manutenção da liberdade frente a estados e instituições tendentes à imposição de limites e de regras coletivas. E às polícias caberia o papel de braços armados e empoderados do poder político, com liberdade para atuar (excludente de ilicitude) e investigar, de forma seletiva, os inimigos políticos do governo e os criminosos comuns. Garantiriam, assim, a manutenção de uma ordem social hierárquica e socialmente legitimada pela naturalização das desigualdades sociais.

Com base nessas “ideias-força”, constituiu-se no país, pela primeira vez desde os primeiros anos da ditadura militar, um amplo movimento em favor da desconstitucionalização do país e das instituições, que inclui empresários interessados em reduzir custos com seus empregados e com impostos, políticos corruptos relacionados com milícias urbanas e orçamentos secretos, militares e policiais desonestos, violentos ou ideologicamente convencidos de que o combate ao crime prescinde da garantia de direitos. Derrotados nas eleições presidenciais, permanecem mobilizados, tanto nas redes quanto nas portas dos quartéis, onde seguidores remunerados ou simplesmente desocupados permanecem desde a eleição, pedindo intervenção militar para impedir a posse do novo governo.

Este é o cenário em que ocorre a transição, dentro do qual se coloca a questão: como lidar com a emergência da extrema-direita no cenário político brasileiro, e seu potencial de desagregação institucional e dilapidação das conquistas de nossa recente construção democrática? Se de um lado o desafio é considerável, de outro abre uma janela de oportunidade para comprometer com a ordem democrática amplos setores da sociedade civil e das instituições, como se viu no próprio processo eleitoral.

Neste processo, foi possível perceber o compromisso com a democracia de setores importantes do empresariado (inclusive de empresas de comunicação), de setores do funcionalismo público, inclusive nas polícias e no Judiciário, que não se dobraram ao aparelhamento e à perseguição por motivos políticos, de cientistas e produtores culturais, comprometidos com a efetiva liberdade de expressão, sem negacionismo, crimes de opinião ou fake news.

Definida a estrutura de governo para a Justiça e a Segurança, serão mantidas em um único Ministério as questões que envolvem as relações institucionais do Executivo com os demais poderes, em especial o Judiciário, e com as polícias, em especial a Federal e a Rodoviária Federal, mas também a articulação com os governos estaduais para a coordenação de políticas nacionais de segurança pública. O recuo em relação à proposta de campanha, de recriação do Ministério da Segurança Pública, deu margem a críticas, em especial no sentido de que tiram de um tema cada vez mais central para a reconstrução democrática a devida centralidade na estrutura do governo. De outro lado, se justifica pela necessidade de reforçar a figura do novo ministro e o papel do Ministério na retomada de políticas de reconfiguração institucional, desde as necessárias reformas legais até o reforço de laços interinstitucionais necessários para a retomada do Sistema Único de Segurança Pública, criado pela Lei 13.675/2018, assim como a reafirmação da legalidade constitucional na gestão das relações entre justiça e polícias.

Pouco antes do segundo turno da eleição presidencial, alguns dos mais destacados pesquisadores da violência e da segurança pública no Brasil publicaram artigo¹ no qual procuram “situar, caracterizar e identificar possíveis explicações para a persistência da violência, em suas mais distintas modalidades, como problema social recorrente e desafio à consolidação da sociedade democrática e à promoção dos direitos humanos no Brasil.” Partindo de tradições teóricas e vínculos institucionais diversos, os autores são unânimes ao apontar  três questões fundamentais que se impõem nesse debate: a primeira diz respeito ao monopólio estatal legítimo da violência. A segunda aborda a administração da justiça criminal. E a terceira trata da formulação e implementação de políticas públicas de segurança, inclusive políticas de encarceramento e de punição. Articular estes três âmbitos, apontando caminhos para a pacificação social e a afirmação de direitos, entre os quais o direito à segurança, é o desafio que temos pela frente.

¹ ADORNO, Sérgio et al. Violência e Radicalização. In FAPESP 60 Anos: a Ciência no Desenvolvimento Nacional. ACIESP-FAPESP, 2022, p. 190-221.

 

 

O site do INCT INEAC disponibiliza aqui a entrevista do antropólogo Roberto Kant de Lima para  Revista Evidência, nº 25.

Evidência é uma publicação digital organizada por profissionais ligados às ciências forenses. 

 

 Evidência entrevistou o Dr. Roberto Kant de Lima, Coordenador do INCT-InEAC - Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (www.ineac.uff.br). Confira a seguir.

 

O Senhor entende como sendo importante a cooperação científica entre as universidades e os Laboratórios Forenses? Quais as vantagens para ambas as instituições?

Extremamente importante. Tanto para a criação e desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias cientificas stricto sensu, como para a criação, desenvolvimento e reprodução de tecnologias sociais. Estas últimas, destinadas principalmente a, através de etnografias, acompanhar a produção, circulação e consumo dos trabalhos dos peritos. Ambas as colaborações visam não só estreitar os laços entre a pesquisa de excelência da universidade e as instituições governamentais, mas adicionar melhor qualidade e quantidade de serviços públicos prestados à sociedade, tanto pela perícia, como pela universidade.

Recentemente o senhor teve um projeto aprovado em edital da FAPERJ sobre ciências forenses. Poderia falar um pouco sobre esse projeto e sobre sua relevância?

Sim, intitula-se “Produção, circulação, uso e consumo do laudo pericial no fluxo criminal: tecnologias, impactos e inovação da perícia técnico-científica na construção da verdade jurídica em casos de letalidade violenta” e quando mencionei acima a questão das tecnologias sociais empregadas na produção, circulação e consumo dos serviços periciais, me referia exatamente a alguns dos produtos previstos nele. Note-se que não é um projeto “sobre “ a perícia, mas “com” a perícia. Neste sendo o esforço é conjunto na produção de resultados. A metodologia é fundamentalmente etnográfica, em que os observadores e seus interlocutores interagem no campo do trabalho pericial, partilhando de suas experiências. Mas também estamos interessados no exame dos laudos e nos regramentos de várias instituições sobre as condições e critérios de sua produção. Também faz parte da pesquisa identificar, analisar e interpretar a circulação desses laudos: para onde vão, quem os recebe, quais são as reações e representações que os outros agentes do sistema de justiça têm sobre eles. E, finalmente, como são consumidos pelos magistrados, que são, em nosso sistema, os destinatários finais de todos os atos e peças processuais, visando sua persuasão. Resumidamente, trata-se de acompanhar a produção, circulação e consumo dos laudos periciais em casos de morte, especialmente as intencionais, e classificadas como homicídio doloso.

O senhor é um reconhecido pesquisador na área de Antropologia “Social”. Tradicionalmente, os Institutos médico legais apresentam setores dedicados à Antropologia “Biológica” que tem aplicações diretas em casos investigações de homicídios e desaparecimentos forçados, em geral. Como a Antropologia “social” pode contribuir para a ciência forense e, em especial, para a investigação de crimes?

Como eu disse acima, há vários exemplos dessas contribuições. Eu mesmo, tornei-me conhecido porque fiz uma etnografia do sistema de justiça criminal da cidade do Rio de Janeiro na década de 80, tendo parte deste material se tornado minha tese de doutorado no exterior, que foi publicada em forma de livro, do qual recentemente lancei a 3ª edição (2019). Posteriormente, ve a oportunidade de realizar semelhante trabalho, junto à polícia e ao sistema judiciário dos EUA, em Birmingham, Alabama e em San Francisco, California. A metodologia da Antropologia contemporânea não é a comparação por semelhança, como é a do Direito Comparado, e, mesmo da Ciência Política e da Sociologia em sua maioria. Comparamos diferentes sistemas exatamente por suas diferenças e é este contraste que nos permite “estranhar” o nosso próprio sistema. Por isso, ve vários insights sobre nosso sistema de justiça criminal bastante originais. Posteriormente. acabei por criar, juntamente com meus colegas, linhas de pesquisa em cursos de pós-graduação em Antropologia e em Direito, que resultaram na formação de gerações de pesquisadores que se envolveram com o estudo etnográfico das práticas jurídicas no Brasil e no exterior. No Brasil, principalmente, a etnografia é a única forma de identificar, conhecer e explicitar as práticas dos sistemas de justiça. Isso porque a doutrina jurídica está voltada para definições do “dever ser”, e não do que atualmente acontece. E as leis, como sabemos, não têm interpretações consensuais sobre sua aplicação, havendo mesmo duas ideias de igualdade jurídica vigentes em nosso sistema: uma, escrita em nossa Constuição, que reza que “todos são iguais perante a lei”, isto é, os diferentes cidadãos têm os mesmos direitos; este disposivo, no entanto, é aplicado segundo a regra práca de que “a regra da igualdade é quinhoar de desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam”. De acordo com esta regra práca, só os semelhantes têm os mesmo direitos e os diferentes têm direitos desiguais. Isso naturaliza a aplicação desigual, não uniforme da lei, a casos semelhantes, pois ela frequentemente varia de acordo com o status dos envolvidos e não de acordo com os atos comedos. Pesquisas deste po contribuem para um conhecimento mais acurado das formas de aplicação de nosso direito e podem, eventualmente, levar a sua melhor compreensão e aperfeiçoamento. Afinal, não se pode melhorar o que não se conhece...

Este esforço culminou na aprovação de um projeto, em 2009, que criou o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC – www.ineac.uff.br). Hoje, 13 anos depois, continuamos a pertencer a este seleto grupo de INCTs, centros de excelência na realização de pesquisas, formação de quadros e transferência dos produtos das pesquisas para a sociedade. São ao todo 104 INCTs, em todas as áreas do conhecimento, que foram financiados para continuar trabalhando nas fronteiras da Ciência, Tecnologia e Inovação. O nosso INCT-InEAC hoje está presente em 6 unidades da federação e em sete países, além do Brasil, onde mais de 100 pesquisadores e mais de 200 pesquisadores em formação na graduação, no mestrado e no doutorado das áreas de antropologia, sociologia, ciência políca, história, comunicação, direito e psicologia, realizam pesquisas de caráter etnográfico sobre o sistema de justiça e sobre seus efeitos nas sociedades. Por meio dele, criamos um curso de graduação em segurança pública na UFF (presencial); um curso de tecnólogo em segurança pública (a distância, via convênio UFF/CEDERJ) destinado pelo MEC a profissionais de segurança pública; e um curso de mestrado acadêmico em Justiça e Segurança, todos reunidos em uma Unidade de Ensino, o Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (IAC/UFF), que tem o mesmo nome da rede internacional. Desta maneira, estamos transferindo o conhecimento produto das pesquisas de excelência realizadas para o público interessado. O INCT-InEAC, além de nosso site acima mencionado, também tem programas de divulgação e educação cienfica na área de administração de conflitos através de nossos canais no Youtube, Instagram, Facebook e Twier . Também publicamos, além de argos cienficos,coleções de livros com dissertações, teses e coletâneas realizadas por pesquisadores do InEAC. Uma dessas Coleções, intulada “Conflitos, Direitos e Sociedade”, publicada pela Editora Autografia, tem já 56 tulos publicados, que estão disponíveis no site da editora, inclusive em forma de e-book.

Para o senhor, qual a importância da perícia oficial para a segurança pública?

A perícia oficial pode ter importância crítica para a elucidação de eventos, desde que seja bem-feita, com padrões de qualidade contemporâneos e seja considerada pelos demais agentes da segurança pública e da justiça criminal com o respeito e o valor que merece. Só realizar a perícia não é suficiente para que ela produza efeitos, ela precisa ter legitimidade junto ao sistema de justiça criminal para produzir efeitos consistentes com seus resultados. No Brasil, historicamente, existe um princípio, do “livre convencimento movado do juiz”, que lhe confere poder, inclusive, de desconsiderar os resultados da perícia. Por outro lado, o próprio Direito brasileiro, não sendo uma ciência social aplicada (embora assim seja classificado pelas agências de fomento), tem relações ambíguas com o conhecimento cienfico, com frequência instrumentalizando-o de acordo com os interesses mais imediatos dos agentes e operadores. É preciso muito trabalho ainda para que este quadro se reverta. Esperamos, sinceramente, juntamente com os peritos, contribuir para o aperfeiçoamento dos recursos materiais e humanos encarregados da produção, circulação e consumo dos produtos periciais para fortalecimento e maior eficácia de suas atividades .

 

 

 

 

As docentes Ana Paula Miranda, do Programa de Pós-graduação em Antropologia e do Mestrado Acadêmico em Justiça e Segurança, e Jacqueline Muniz, do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (IAC), ambas também pesquisadoras vinculadas ao INCT/INEAC,   receberam nessa terça, dia 06 de dezembro de 2022, o Prêmio Marielle Franco. Na ocasião, 47 defensores e defensoras de direitos humanos foram homenageados, tendo em vista o desenvolvimento de ações de promoção, valorização e defesa de direitos no estado do Rio de Janeiro.

No caso da professora Ana Paula Miranda, o reconhecimento é fruto do seu trabalho na esfera estadual, no período de 2003 a 2008, como diretora do Instituto de Segurança Pública. À época, foi responsável por coordenar diferentes iniciativas na área de segurança e ainda organizar o dossiê da mulher. Soma-se a isso, o desenvolvimento de pesquisas no âmbito da UFF sobre a defesa dos povos tradicionais de matriz africana, a vitimização de trabalhadores e o direito de acesso à energia, em parceria com a Enel, e, por fim, o projeto sobre terreiros, o Ginga UFF.

Para a professora Jacqueline Muniz, o prêmio Marielle Franco é uma forma de produção e preservação da memória, da resistência e das lutas diárias por pertencimento, reconhecimento e direitos que constroem, garantem e ampliam a nossa cidadania, no dia a dia das favelas e dos asfaltos. “Este prêmio é uma construção solidária e partilhada de um sentido de igualdade e liberdade que afirma as diferenças e busca superar as desigualdades e as exclusões. Tenho orgulho de participar e de ser contemplada, pois meu trabalho como professora, pesquisadora, gestora pública na área de segurança pública e direitos humanos tem se pautado para a produção do conhecimento ao alcance de todos e da política que se faz com compaixão, sentindo a dor dos outros", afirma a antropóloga.

Além de reconhecer a atuação de todos os coletivos, organizações e pessoas, o prêmio é uma forma de destacar a relevante atuação em direitos humanos de Marielle Franco, tanto no fortalecimento da pauta dos direitos das mulheres, da população LBGTI, da negritude e da favela. O mês escolhido para a entrega da premiação é simbólico e em alusão ao Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado em 10 de dezembro. 

A cerimônia de entrega do Prêmio aconteceu no no Plenário Lúcio Costa, na ALERJ - Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro . 

 

 

 

 

Acontece no próximo dia 12 de dezembro de 2022, ás 14h, no IAC -Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos, o Seminário de Encerramento da II Feira de Ciências "Conflitos e Diálogos na Escola". A atividade será transmitida pelo LEMI - Laboratório de Estudos Multimídias do INCT/INEAC pelo link

MESA 1 -  https://www.youtube.com/watch?v=AFHpBekqTME

MESA 2  - https://www.youtube.com/watch?v=lpI8PtaeuBI

 

A  Feira de Ciências Conflitos e Diálogos na Escola busca aproximar Universidade e alunos e professores do ensino médio de escolas públicas estaduais do Rio de Janeiro, buscando trabalhar a educação científica a partir de temas relacionados aos processos de administração de conflitos em ambientes escolares.  Ela integra um esforço do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto Nacional de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC/UFF) em construir uma linha de pesquisa que procure analisar de que maneira os conflitos estão presentes e são administrados no espaço escolar. 

Segue abaixo a programação do evento:

Mesa 1 – Comissão Avaliadora Externa – 14 horas
Mediação: Yuri Motta – doutorando em Sociologia e Direito pela UFF.

José Resende - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. – Professor Catedrático da Universidade de Évora – participação remota

Bruno Dionísio - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. – Professor Auxiliar da Universidade de Évora - participação remota

Jorge Paes - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. – Doutor em Sociologia e Direito pela UFF e Diretor da Regional Baixada Litorânea da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro – participação presencial

Mesa 2 – Balanço Geral do Evento e Entrega dos Resultados – 16 horas

Barbara Lisboa Pinto - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. – Doutorado em História pela UFF, professora da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro - participação presencial

Lumárya Souza de Sousa - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. – Doutoranda em Comunicação pelo PPGCOM/UFF; Membro do Laboratório de Investigação em Ciência, Inovação, Tecnologia e Educação (Cite-Lab) - participação remota

Thaiane Moreira de Oliveira - Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. – Superintendência de Comunicação Social (UFF); Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCOM/UFF); Coordenadora do Laboratório de Investigação em Ciência, Inovação, Tecnologia e Educação (Cite-Lab) – participação presencial

Roberto Kant de Lima - Professor Titular de Antropologia - UFF/UVA
Coordenador do NEPEAC/INCT-InEAC - Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos/PROPPi/UFF - participação presencial

 

 

 

 

A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) realizou o evento "Tradição do ensino jurídico – representações de uma pedagogia do poder”, presencialmente, no Auditório Desembargador Paulo Roberto Leite Ventura (Rua Dom Manuel, 25, 1º andar, Centro do Rio).

No encontro, promovido pelo Fórum Permanente de Inovação do Poder Judiciário e do Ensino Jurídico, pelo Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas e Acesso à Justiça (Nupejaj) e pelo Núcleo de Pesquisa em Direito Comparado (Nupedicom), foi lançado o livro de Hector Luiz Martins Figueira, de título homônimo ao do evento: "Tradição do ensino jurídico – representações de uma pedagogia do poder”.

Com transmissão pelas plataformas Zoom e YouTube ( https://www.youtube.com/watch?v=saWMdWyyhWs) , o encontro foi aberto pelo vice-presidente do Fórum e coordenador do Nupedicom, desembargador Carlos Gustavo Direito.

Palestraram os professores Hector Luiz Martins Figueira, assessor acadêmico de publicações e pesquisas da EMERJ; Solange Ferreira de Moura; Cláudia Lima Marques, diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); e Augusto Niche Teixeira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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